Por Ana Campos
Quando se fala sobre a violência contra a mulher, batemos de frente com uma parede quase inquebrantável. Não é uma questão que se possa resolver com uma lei apenas, como a Lei Maria da Penha nos mostrou, também não é uma questão que se possa resolver reeducando os homens com campanhas de conscientização, pelo menos não os mais velhos. Primeiro porque a violência masculina é algo cultural e quase instintivo e quando esse instinto encontra na vítima a facilidade de um opositor fisicamente mais fraco, ele não se importa em ser covarde, por que a violência já advém de uma personalidade imoral e a covardia se torna apenas mais um adjetivo.
É possível concluir por ai, que a violência contra a mulher é um predicado de homens de maus-carateres e a questão é: como ceifar os maus-carateres da sociedade? Ou pelo menos, como controlá-los? Como inibir a atuação desses homens?
Há todo um contexto histórico-cultural por trás da violência contra a mulher, além disso, há o choque de interesses na guerra pelo espaço e pelo poder dentro da sociedade e da própria família, com a ascensão feminina no último século. Muito dessa violência praticada hoje, é fruto da necessidade de autoafirmação masculina, e muito da resiliência que ainda persisti em algumas mulheres, também advêm dessa mesma problemática, pois algumas delas ainda se sentem na condição de subalternas, acreditando que a relação de dependência financeira ou emocional que elas têm em relação ao parceiro, de alguma forma dá a eles certo direito de agredi-las, psicológica e fisicamente. É bom lembrar que essa odisseia feminina pelo seu espaço na sociedade, impôs as novas gerações que uma mulher só é digna de ser “feminista” se souber ser independente e de certa forma, essa mensagem pode chegar distorcida à muitas delas.
Uma coisa que o movimento feminista contemporâneo tende a ignorar é a diversidade sociocultural de países como o Brasil e que nem todas as mulheres possuem o mesmo entendimento para compreenderem mensagens simbólicas. Falta um pouco mais de clareza nos objetivos do movimento para que ele possa alcançar e conquistar a cabeça das mulheres com menos instrução, por exemplo, mas não apenas delas, como á muitas outras das diferentes camadas sociais que possuem diferentes visões de mundo. O problema dessa comunicação falha, é que ela pode ter um efeito contrário e transformar o movimento, que é tão importante nessa luta pelo fim da violência contra a mulher, em um clubinho de mulheres da classe média, deixando de cumprir assim, o papel que deveria estar desempenhando nessa luta.
Mas voltemos aos homens e à violência.
O primeiro ponto, que talves seja o mais importante, é que devemos discernir a violência comum, da violência de um homem contra uma mulher e esse discernimento precisa ser feito através da lei, que qualifique esse tipo de crime como algo muito mais grave, mas também é preciso encontrarmos uma forma de incorporar esse entendimento na cultura do nosso país para as próximas gerações e que tenhamos isso, tão claro quanto temos, por exemplo, que sexo entre adultos é comum, já o sexo com crianças é um crime hediondo, além de ser moralmente deplorável (não é que a violência de forma geral, seja algo comum como o sexo entre adultos, estou pegando aqui apenas um exemplo para definir a diferenciação que devemos fazer. O ideal seria que toda violência injustificada fosse condenável, mas aqui estamos tratando apenas da violência contra a mulher).
Assim, tão claro quanto temos essa ideia impregnada em nossas consciências, deve ser a diferença entre a violência comum e violência contra a mulher e isso deve ser repetido centenas de milhares de vezes, em campanhas de conscientização, em leis e em movimentos, em todos os cantos do país e em nossas vidas particulares, até que esse conceito seja absorvido pela cultura das próximas gerações. Já começamos a fazer tudo isso, mas é preciso intensificar, com mais leis e com novas estratégias, para fazermos esse princípio ético frutificar. É preciso entender que nenhum problema de raízes históricas se resolve como um passe de mágicas e tudo aquilo que fazemos hoje, são heranças que deixaremos para as gerações futuras.
É claro que nem mesmo isso vai banir a violência contra a mulher, como nunca banimos a pedofilia, mas, se observarmos, perceberemos que até a justiça funciona melhor contra pedófilos e por mais que eles não sejam extintos, vivem encurralados, sem espaço para agir, com o estigma que carregam onde quer que vão e é só isso que garante o mínimo de paz para as nossas crianças, por isso defendo a mesma conduta da sociedade, ao lidar com o crime da violência contra a mulher.
Igualdade para os iguais, desigualdade para os desiguais. Não é possível ignorarmos que homens e mulheres são seres distintos pela própria natureza e que por suas distinções desenvolvem diferentes competências em muitos aspectos, a luta da mulher não se trata de nos emparelharmos a eles e sim de termos nossas competências valorizadas e respeitadas de igual modo, já que hoje, está mais do que comprovado que as bases da sociedade necessitam das duas esferas para se manterem de pé.
Da mesma forma, aproveitar-se de vantagens naturais, como à força física, para dominar o outro, deve sofrer um processo de rejeição por todos nós, mas esse processo precisa ir além dos discursos. Quando uma lei como a da Maria da Penha é criada, damos um grande passo na direção dessa justiça de gênero que estamos buscando, no entanto, quando o Estado não se mobiliza para torná-la eficaz, ele está banalizando esse pacto de justiça e a mensagem tem efeito contrário, pois se nem mesmo uma lei é capaz colocar o limite, conscientizar, mobilizar, como esperam que uma mulher sozinha, no convívio com um agressor de quem depende financeira e emocionalmente, possa se sentir no direito de dizer BASTA?!
Hoje já não se trata mais de uma guerra dos sexos, ou pelo menos não devia se tratar, trata-se de uma guerra contra homens de maus-carateres, de péssimas índoles, pessoas para quem a violência física é uma arma de poder, pessoas criminosas que precisam entender, de uma vez por todas, que a sociedade não vai mais tolerar isso. E digo “pessoas” porque também temos muitos exemplos de mulheres que cultuam a violência física e de muitos homens que são absolutamente contra ela, embora, em geral, essa violência parta deles contra as mulheres. Precisamos compreender quem é o inimigo real, identificá-lo e encontrarmos uma forma de coibi-lo, mas temos que fazer isso juntos, pelo bem de todos.
É um erro pregar que o homem pratica violência contra a mulher, porque generalizar esse crime a todo o sexo masculino, só torna essa violência algo natural na cabeça de muitas pessoas, isso fomenta o antigo entendimento de que “os homens são assim mesmo” e para muitas mulheres, aceitar a violência de um parceiro soa como uma condição normal para que elas possam ter um parceiro.
Sei que muitos vão dizer que estou errada, mas se olharem pelo prisma, especialmente das classes baixas, onde as mulheres não têm muito acesso à educação, entenderão que esses conceitos estão impregnados ainda na cultura delas, por isso, é preciso que sejamos educadores, no sentido de trabalharmos para que essa parcela das mulheres compreendam que, alguns homens, em específico, são violentos e que isso faz deles pessoas criminosas, que aquele que à violenta, não o faz pelo simples fato de ser homem e sim porque é uma pessoa que não presta e de quem ela deve se afastar, sob quaisquer circunstâncias. É esse o entendimento que temos que cultivar, se queremos que, algum dia, todas as mulheres conheçam seus direitos e se juntem a nós na luta contra a violência.
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