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Foto do escritorCuritiba Suburbana

Intolerantes têm direito à liberdade de expressão?

Por Joaquim de Lira Neto - da Página "A Miséria d Democracia"



A prisão do deputado federal Daniel Silveira retomou o debate sobre a questão da liberdade de expressão. Primeiramente, é importante entender exatamente o conteúdo do vídeo gravado pelo deputado, para saber se houve cerceamento ou proteção à liberdade de expressão.

No vídeo, ele se dirige na maior parte do tempo ao ministro do STF Edson Fachin, a quem chama de “moleque”, “menino mimado, mau caráter, marginal da lei”.ᵃ Na sequência, afirma que a suprema corte é o “arcabouço do crime no Brasil”. Ao se dirigir a diversos ministros do STF, ele faz um desafio dizendo: “o que eu quero saber é quando vocês vão lá prender o general Villas Bôas”. “O que vocês vão fazer com os generais, ‘os homenzinhos de botão dourado, lembra’?” E, em tom de advertência, exclama: “Você lembra do AI-5! Pára. Eu sei que você lembra. Ato Institucional n˚5”.ᵃ

Novamente, dirigindo-se a Fachin: “O que acontece, Fachin, é que todo mundo está cansado dessa tua cara de filha da puta que tu tem, dessa cara de vagabundo”. “Por várias e várias vezes já te imaginei levando uma surra (...) você e todos os integrantes dessa corte, aí”. Depois, talvez com medo de estar, de fato, cometendo um crime, ele diz que “só imaginou”, e alega que ainda que ele premeditasse a ação, não seria crime”. Silveira alega que “qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada com gato morto nessa sua cara até ele miar, de preferência após cada refeição, não é crime”.ᵃ

Posteriormente, ele se refere ao ministro Alexandre de Moraes como “Xandão do PCC”. Voltando-se, novamente a Fachin, diz: “Você e seus 10 amiguinhos não guardam a Constituição. Vocês defecam sobre a mesma Constituição, que é uma porcaria!”

Retomando o tema da ditadura, ele afirma que o AI-5 cassou 3 ministros da Suprema Corte, senadores, deputados. “Foi uma depuração, com um recado muito claro: ‘se fizer besteirinha, agente volta!’ Mas o povo, àquela época ignorante, acreditando na Rede Globo disse: ‘queremos democracia, presidencialismo, estados unidos, somos iguais, não-sei-o-quê’. E os ditadores, que vocês chamam, entregaram o poder ao povo”.ᵃ

O mais importante é a compreensão de que o deputado não somente proferiu diversas ofensas, mas fez acusações extremamente graves aos ministros do STF, que, evidentemente, precisariam de provas. Além disso, o parlamentar fez uma apologia à ditadura, citando, inclusive, o AI-5.

Para quem o defende, talvez por falta de conhecimento sobre o tema, o AI-5 permitiu o fechamento do Congresso Nacional por tempo indeterminado, “dava poderes de demissão, cassação de mandatos e direitos políticos ao Presidente da República, suspendia a liberdade de expressão e de reunião, permitia o confisco de bens e limitava direitos individuais, como a prerrogativa do habeas corpus” (CAMPOS, 2018, p. 03).

O AI-5 foi promulgado em dezembro de 1968. No ano seguinte, os crimes contra a Segurança Nacional foram redefinidos, incluindo: “propagandas subversivas; (...) subversão da ordem; promoção de greve; ofensa da honra de autoridades (...). As penas, dependendo do crime, variavam de oito meses à morte e os julgamentos poderiam ocorrer em foro militar” (PIERANTE, 2008, p. 317).

Como é possível perceber, a ditadura, sobretudo sob a vigência do AI-5, cerceava bastante a liberdade de expressão, que, agora, o deputado quer usar em sua defesa. Pela lei da ditadura, as ofensas que fez às autoridades poderiam condená-lo à morte!

O filósofo Karl Popper (1902-1994) nos fornece elementos importantes para uma compreensão bem fundamentada de combate à intolerância, através de seu “Paradoxo da tolerância”. Em suas palavras: “Se estendermos a tolerância ilimitada àqueles que são intolerantes; se não estivermos preparados para defender uma sociedade tolerante contra os ataques dos intolerantes, o resultado será a destruição dos tolerantes e, com eles, da tolerância” (POPPER, 1974, p. 289).

Desta forma, o vídeo gravado pelo deputado Daniel Silveira, além de uma série de absurdos condenáveis, faz uma defesa da ditadura, do fim da democracia e da liberdade de expressão, como já vivenciamos – embora algumas pessoas precisem estudar um pouco mais o período. A aceitação deste vídeo poderia levar à própria legitimação do fim de certas liberdades. Portanto, a punição ao deputado não consiste numa forma de “cerceamento da liberdade de expressão”; muito pelo contrário, constitui uma forma de defendê-la de seus agressores.





Referências: CAMPOS, P. H. P. Outras dimensões de 1968: o AI-5 enquanto instrumento de política econômica. Revista Ars Histórica, n.17, jul./dez., 2018.

PIERANTI, O. P.; MARTINS, P. E. M. Políticas públicas para as comunicações no Brasil: adequação tecnológica e liberdade de expressão. Revista de Administração Pública, 42 (2), mar./abr., 2008.

ᵃ.https://www.youtube.com/watch?v=-c5AjK6S6qs POPPER, K. R. A sociedade aberta e seus inimigos. Belo Horizonte-MG: Ed. Itatiaia; São Paulo, volume 1, 1974.

Imagem: Jornal O Dia.

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