Ao me deparar com essa nota do Condor Supermercados em uma rede social, me senti compelida pelo meu ímpeto de falar o que penso, a escrever esse texto. Não é novidade pra ninguém que sou uma pessoa humilde (pobre, pra dizer a verdade) no sentido financeiro mesmo da palavra. O que talvez ninguém saiba é que já fui funcionária do Condor Supermercados. Eu era operadora de caixa na loja do São Braz, logo que ela foi inaugurada.
Não me lembro exatamente que ano era aquele, não apenas porque faz muito tempo, mas também porque não é uma lembrança que eu queira cultivar e como ex-funcionária, que vivenciou o que se pratica no trato dos empregados no dia a dia desse Supermercado, posso falar com conhecimento de causa que essa é uma das empresas mais fascistas desse país, onde trabalhador é tratado como lixo.
Essa empresa que está posando de defensora da moral, de heroína nacional, com o discurso anti Globo e pró-Brasil, encontrou no Bolsonaro o seu representante maior e isso deveria servir como um alerta para aqueles trabalhadores que ainda defendem esse governo, pois se o Condor está do lado do Bolsonaro, meus amigos, tenham certeza de que o Bolsonaro só pode ser inimigo da classe trabalhadora.
Posso enumerar meus motivos para fazer essas afirmações, apesar de saber que isso aniquila completamente qualquer chance de que eu venha a conseguir outro emprego formal nessa cidade, não vou me calar, mesmo correndo o risco de passar fome, caso tenha que voltar a concorrer no mercado de trabalho, sabemos que as notícias correm e que nenhum empregador vai me querer em sua equipe depois disso, mas, verdade seja dita: trabalhar no Condor é só para quem está desesperado.
O salário que eles oferecem na carteira é uma vergonha, é o mínimo do mínimo possível . Já começa mal, mas até aí, tudo bem. Por isso eles não exigem experiência, dão um cursinho rápido de algumas horas para o funcionário e o jogam no caixa, ou em outras funções e seja o que deus quiser. Para alguém sem grandes qualificações profissionais, como eu na época, soa como se o Condor lhe fosse uma mãe, dado o nível de desespero em que a pessoa se encontra para desejar um emprego como aquele.
Mas o problema todo começa mesmo é no dia a dia, na maneira como você é tratado quando se torna funcionário deles, é como se você passasse por um processo de desumanização para se transformar em um escravo que deve manter os olhos baixos, a boca fechada e uma conduta robótica. Você não é mais gente, é um empregado, o que, para eles, parece fazer toda a diferença.
Os olhos dos seguranças daquele mercado te acompanham fielmente, em seus horários de descanso, que para muitos funcionários é de duas horas e no meio do expediente, pois dessa forma eles conseguem fazer com que o funcionário fique além do horário comercial normal, já que o Condor só fecha as portas após as 23:30. A maneira que eles encontraram para não ter que contratar mais gente para cobrir os turnos é fazer com que os funcionários que eles já tem, zanzem, duas horas, por ali, na calçada, ou na frente do mercado, porque não há sequer um espaço adequado para permanência dos funcionários em intervalo. No entanto, se um desses funcionários resolver dar uma volta pela loja, para olhar os produtos, se distrair, aqueles seguranças ficam em alerta máximo, cuidando dele como se a qualquer momento ele fosse enfiar um pote de iogurte dentro das calças. Eu não sei quanto aos outros empregados, mas eu me sentia péssima naquela situação.
Mas até aí, tudo bem, “pobre tem que agüentar tudo mesmo”.
Os piores não são os seguranças, são os gerentes. A impressão que se tem é a de que àqueles caras não são instruídos para serem gerentes e sim, semireizinhos, sentados em enormes tronos de mercadorias, que se dividem em sessões, como se fossem territórios de um grande império. Parece engraçado, mas não é. A maneira como eles falam com os funcionários, como eles tratam os funcionários, como eles resolvem as questões do dia a dia, é de revoltar qualquer um.
Naqueles poucos meses em que trabalhei lá, vi meninas saírem chorando, depois de serem humilhadas por pequenas diferenças no fechamento dos caixas, diferenças essas que eram todas descontadas dos salários delas, cada centavo, nada passava batido. Um erro, um momento de distração, um espertalhão que lhes passassem a perna, e lá ia o mísero salário de uma operadora de caixa do Condor, e isso, depois dela ouvir horrores, depois de ser praticamente acusada de roubo.
Trabalhar no Condor, em um baixo cargo, não significa apenas ter uma carga horária que extrapola o limite, não ter mais fins de semanas, nem feriados, como em qualquer outro comércio, o que é natural. Trabalhar no Condor em um baixo cargo significa não receber horas extras, porque eles usam bancos de horas e, mesmo assim, só te permitem descontar quando é conveniente para eles, e não para você. Significa não ter grandes direitos, não ter nenhum benefício, não ter nenhuma consideração. Eu não sei agora, mas, na época em que trabalhei lá, nem auxílio alimentação o mercado oferecia aos funcionários e a única coisa que davam para comer era pão com mortadela e um cafezinho fraco e melado, nada mais.
O almoço era pago por nós, funcionários. Havia a opção de levar marmita e comer frio, ou almoçar e assinar um vale, que seria descontado do nosso salário. No fim do mês, além de todos os descontos normais, seu pagamento era decrescido de eventuais perdas de caixa, que são aquelas diferenças para menos, que sempre acontecem por uma razão ou por outra, e a alimentação, afinal, quem passa mais de dez horas no trabalho sem comer?
Os gerentes não consideravam conhecer os funcionários para definirem escalas de trabalho, se eles escalassem uma pessoa para ficar até o fechamento do mercado, que acontecia quase à meia noite, pouco importava se a pessoa ia perder o último ônibus para o seu bairro, se a pessoa morava longe, se a pessoa tinha filhos pequenos, e se algum outro funcionário poderia ficar no lugar, pois morava ao lado do mercado. Eles não seguiam lógica nenhuma, apenas determinam as coisas sem levar em consideração que seus funcionários eram seres humanos, que tinham vida própria, e se você reclamasse era ainda pior, eles passavam a te perseguir e te escalar sempre, independente dos seus argumentos, eles não ouviam, eles mandavam e os funcionários obedeciam, ou iam para o olho da rua.
Certa vez, no dia do pagamento, me escalaram para ficar até o fechamento do mercado, mesmo sabendo que eu morava em Campo Largo, que meu último ônibus sairia do terminal às 23:40 e que, sendo assim, com toda certeza eu o perderia. Bem, eu precisava daquele emprego, tinha filhos pequenos que sustentava sozinha, não podia criar caso. Mas era dia de pagamento, meus armários estavam vazios, eu tinha que fazer compras e como trabalharia no dia seguinte, não ia ter tempo para ir ao mercado, tinha casa pra limpar, roupas pra lavar e mais uma porção de coisas a fazer na parte da manhã, então resolvi fazer as compras no fim do expediente, ali mesmo.
Fechei o meu caixa um pouco antes, como era o procedimento de irmos fechando gradualmente, acertei as contas na tesouraria e ainda havia dois caixas funcionando. Antes de sair, peguei um carrinho e fui para os corredores comprar o que eu queria, mas percebi logo que todos me olhavam estranho, as operadoras dos caixas, as encarregadas, os seguranças, todos me olhavam atravessado. Apressei-me em pegar o que eu queria o mais rápido possível, pois eu sabia que todo mundo ali queria ir embora, só que ainda havia uns dois clientes na loja e eu sabia que não estava atrasando ninguém. Quando cheguei a um dos caixas que ainda estavam abertos para passar minhas compras, o gerente me barrou, mandou que eu deixasse tudo, disse que eu não podia comprar ali porque eu era funcionária e estava atrasando as outras.
Eu briguei, discuti, falei, porque nunca fui de levar desaforo pra casa, consegui passar minhas compras e consegui passar muita vergonha também. Aquela foi à gota d’água, trabalhei mais uma quinzena para fechar o mês de salário e pedi a conta, eu não poderia continuar trabalhando em uma empresa que não respeita os funcionários, um lugar de onde, todos os dias, um empregado sai chorando, ou constrangido, como foi o meu caso.
Nada disso que contei é relevante se olhado apenas de maneira pontual, mas o que se percebe claramente na política dessa empresa é um total desprezo e desvalorização dos funcionários, desvalorização essa que vai além da monetária, trata-se de uma desvalorização conceitual e profunda. Esses exemplos que estou dando são apenas a ponta do Iceberg, coisas assim acontecem diariamente sob os tetos da rede Condor de Supermercados, porque a postura da empresa, interpretada através dos seus gerentes, é de uma visão sectarísta e amoral, que tem a mão de obra como um trabalho escravo e que certamente só manteve algum parâmetro mínimo de direito enquanto a lei o obrigava.
Não me surpreende em nada que a direção do Condor esteja defendendo esse governo com unhas e dentes, já que todas as políticas de Bolsonaro e sua equipe de governo vão de encontro aos interesses de patrões como eles e que as vantagens já começaram a aparecer. Hoje, além do salário pago pelo Condor ser o mínimo, do mínimo, e de não oferecerem nenhum tipo de beneficio que possa compensar a defasagem do salário, o Condor Supermercados está livre de ter que pagar a multa de rescisão de contratos, está livre de pagar horas extras, mesmo que em forma de banco de horas, como sempre fez. Em breve, se esse governo vingar, estará livre de pagar férias, décimo terceiro, PIS e sabe deus mais que direito ainda irão roubar dos funcionários.
É óbvio que os donos do Condor estejam saindo em defesa de um governo que reduz a mão de obra do trabalhador à uma mercadoria barata e abundante, pois na medida em que diminui o incentivo à educação dos nossos jovens, aumenta a mão de obra desqualificada, como era a minha aos 26, 27 anos, idade aproximada em que trabalhei no Mercado. Quanto mais ignorante é um povo, maior é o domínio das elites sobre ele e mais livremente eles podem praticar essa política escravocrata disfarçada de liberalismo econômico, que tem como único objetivo, tornar os ricos ainda mais ricos e manter os pobres, pobres como sempre, para que sempre haja quem se submeta a trabalhar em um lugar como o Condor Supermercados, e ser tratado como cachorro, por alguns almofadinhas que agem como se tivessem o rei na barriga.
Ana Campos.
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