Por Ana Campos
Ontem eu levantei o tema sobre a gravidez acidental em meu perfil no Facebook e não faltaram homens para afirmarem que a responsabilidade é dos dois, tanto do homem, quanto da mulher, como já era o esperado, então resolvi escrever sobre isso aqui, para discorrer sobre o tema de uma forma mais ampla.
Eu havia dito lá no perfil, que o homem é o único responsável no caso de uma gravidez indesejada. Claro que isso soou como uma aberração para a maioria das pessoas, tão acostumadas ao velho discurso de que a mulher tem sua parte nessa responsabilidade e como poderia ser diferente? O primeiro método anticoncepcional criado foi uma pílula para ser ingerida pelas mulheres, não pelos homens, a partir daí, qualquer gravidez não planejada passaria a ser de inteira responsabilidade dela, que não tomou a pílula. Depois criaram a camisinha, mas isso não mudou muita coisa, a mulher continuou a ser cobrada de que deveria cobrar do homem para que a usasse, caso não quisesse engravidar e seguiu carregando a maior parte dessa obrigação nas costas. Mas, se pararmos para pensar de verdade, a mulher não é a causadora da gravidez, em termos simples, seu corpo é como uma terra fértil, mas por mais fértil que ele seja, não germina sem que o sêmen seja depositado e o sêmen pertence ao homem, logo, o controle dele também deveria ser exclusivamente do homem, assim como a responsabilidade por ele, deveria ser agregada, se não totalmente, mas em maior parte, ao homem e não à mulher.
O problema de se dividir essa responsabilidade é que, na pratica, em um país como o Brasil, as consequências desses acidentes pesam muito mais sobre as mulheres do que sobre os homens. Não há uma lei que obrigue os homens a criarem seus filhos, a lei apenas os obriga a suprirem parte das necessidades materiais desse filho e não a serem presentes no dia a dia. Não existe sequer um código ético/moral que agregue a eles essa responsabilidade, exatamente porque a sociedade entende que a mãe é quem tem que exercer esse papel, obrigatoriamente. Ou seja, é o homem quem “acidentalmente” engravida a mulher, mas no fim das contas é a mulher quem vai arcar com as consequências disso.
Alguns dos comentaristas naquele meu post alegaram que é impossível para o homem controlar a ejaculação, porque isso faz parte da natureza, como um instinto, mas não seria impossível para eles se responsabilizarem pelo uso da camisinha, retirando da mulher a obrigação de ter que lembrá-los, não é mesmo? No entanto, caso ele não use a camisinha e a mulher engravide, os dois terão responsabilidade, porque a sociedade entende que nós, mulheres, temos esse compromisso de fiscalizar o parceiro, já que o interesse em não engravidar, também é nosso.
Percebem o quanto a mulher é cobrada? Temos que nos responsabilizar por nossos próprios corpos, pelos corpos dos parceiros e, se nada disso funcionar, teremos que nos responsabilizar pela criança que vai nascer, enquanto os homens não são responsabilizados totalmente, nem por eles mesmos.
Eu não estou defendendo que a mulher não se cuide, que ela não se previna, mas apenas que ela não seja culpada por um erro que é do homem, do homem que não sabe se conter, do homem que não se compromete com a prevenção. E ai então eu pergunto: por que é tão inconcebível que coloquemos na conta dos homens essa responsabilidade? Por que não podemos tirar dos ombros da mulher a obrigação de prevenir uma gravidez indesejada? Muitos dirão que é porque a mulher é adulta e completamente capaz de se responsabilizar por suas próprias ações e eu concordo, porém, nesse caso, o controle da situação, naturalmente pertence muito mais ao homem, se é pra falar sobre natureza, então temos que admitir esse fato, a mulher não tem como prevêr o momento em que o homem irá fecundá-la, o homem sim. A mulher não tem como prever quando seu anticoncepcional vai falhar, ou quando a camisinha vai furar, já o homem, com uma simples atitude responsável, pode evitar tudo isso.
É baseando-se nesse compartilhamento de obrigação que os homens relaxam; que são negligentes, porque eles transferem para a parceira toda a responsabilidade e ainda que de maneira subjetiva, a sociedade impõe essa conta sobre as mulheres. Isso vem incentivando os homens a fazerem filhos que eu não vão amar; nem criar, nem nada. A sociedade incentiva à imaturidade dos homens, quando diz que eles são incapazes de assumirem a responsabilidade sobre algo, sozinhos. Por isso é que já se tornou banal ver mulheres mães solteiras, crianças que nem mesmo conhecem seus pais. Depois de tudo, ainda passaram a romantizar a condição dessas mulheres que criam seus filhos sem a presença do pai e tudo isso para nos convencerem de que esse é o nosso destino, engravidarmos, mesmo sem querer, criarmos os filhos, mesmo sem a presença do pai e assumirmos todas as responsabilidades sem reclamar, sem questionar nada.
A partir do momento em que essa responsabilidade pesasse apenas sobre os ombros dos homens, tenho certeza que as coisas começariam a mudar. A partir do momento em que engravidar uma mulher sem que ela quisesse ser mãe, desse ao homem a responsabilidade de ficar com a criança assim que nascesse e tirasse da mãe a mesma obrigação, ou que os papéis se invertessem, nesse caso, tenho certeza que os homens passariam a dominar os seus “instintos” e se comprometeriam bem mais com a prevenção do que o fazem hoje. Ainda que, na pratica, as mulheres não quisessem abrir mão de criarem esses filhos, a simples existência de uma lei que agregasse aos homens tal responsabilidade, já faria com que a sociedade começasse a mudar e a repensar sua cultura e seus valores.
É preciso entender que não se corrigem injustiças históricas sem ações praticas que partam do Estado. É o Estado quem educa o povo, é o Estado quem direciona e orienta a cultura de um povo e só o Estado poderia fazer com que os homens passassem a serem mais responsáveis sobre suas fertilidades. Nem mesmo seria necessário obrigá-los a conviver com os filhos, já que amor não é uma coisa a que se possa obrigar, bastava que se aplicasse a eles uma espécie de imposto, além da pensão alimentícia, porque, se tem uma coisa que os homens temem, é ter que tirar dinheiro do bolso. Além disso, legalizar o aborto seria justo com a mulher que realmente não quisesse ser mãe.
É claro que o Estado não poderia jamais retirar da mulher o seu famoso “instinto materno”, significa que uma lei assim, não ocasionaria um abandono materno em massa, de forma alguma, porque as mulheres não precisam de uma lei as obrigue a serem mães, mas os homens sim e é aos homens que o Estado precisa corrigir, é a eles que precisa ser ensinado um “instinto paterno”, ou pelo menos a responsabilidade sobre sua procriação. O que não da mais é para continuarmos sobrecarregando as mulheres e fechando os olhos para as negligências masculinas.
A Argentina já legalizou o aborto, porque seus parlamentares finalmente compreenderam o que estou explanando aqui, que a mulher não deve ser responsabilizada por uma gravidez que ela não quer, que ela não pode ter que arcar com os erros dos homens para o resto de suas vidas e que devem ter o direito de escolher entre ter ou não esses filhos. Resta que no Brasil essas discussões sejam levantadas e que nossos homens comecem a serem chamados para a responsabilidade que cabe a eles, esse papo de instinto animal já não cola mais, em lugar nenhum.
Antes de terminar, quero deixar claro que, embora esse assunto seja generalizado, já que se trata de uma questão cultural, você, homem, que não é do tipo que foge das responsabilidades, que é um bom pai e que compreende as suas obrigações, não precisa se sentir ofendido ou ameaçado por esse texto, nem por minha opinião sobre o assunto, pois nada disso é para você. Todos sabemos que existem exceções, apenas entendam que, de maneira geral, as responsabilidades são impostas muito mais sobre as mulheres e que à maioria dos homens se aproveitam disso para se isentarem e é justamente esse aspecto da nossa cultura o que coloca tantos inocentes para sofrerem no mundo e castiga tantas mulheres, Brasil afora.
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