Por Ana Campos
Só agora compreendo aqueles documentários que denunciam o poder que as redes sociais exercem sobre pessoas e nações inteiras, sobre o mundo, afinal. Eu não fazia ideia da força que têm essas correntes de pensamento massificado na internet. Não fazia ideia do quanto à mentalidade humana se tornou uma espécie de “linha de produção em série”.
Fiquei imaginando: quem cria essas ideias-padrão, que são jogadas na rede para serem amplamente repetidas pela quase totalidade dos indivíduos? Quem detém tanto poder? Um poder que passa por cima de qualquer um que se coloque contra ele, como um rolo compressor, tornando impossível transpô-lo? E mais importante do que quem, é como? Como eles chegam ao cerne da mente humana e a convence a defender um posicionamento, independente de qualquer fato, ou prova, ou lógica, de forma quase irracional? Vejam que ai não importa se falamos de um PHD em qualquer coisa, ou de um semianalfabeto, a influencia é tão poderosa que assim que o comando chega, todos o emitem num só coro e quanto mais o comando é emitido, mais poderoso se torna, mais forte e inquebrantável se faz.
Não é tão difícil responder à essa última pergunta, basta pensarmos no que a maioria das pessoas têm em comum. Qual a sua maior ambição pessoal para que se sinta realizado como o ser social que é? O ser humano, e tenho certeza que todos vão concordar comigo, deseja ser considerado bom, deseja ser considerado justo, deseja ser considerado como uma antena receptora e transmissora da verdade, daí a sua busca incessante pelo compartilhamento de opiniões, pois quanto mais pessoas concordarem com o seu modo de pensar (ou ele com o modo delas), com o seu posicionamento diante da vida, mais ele será considerado bom, dentro do seu universo e isso é gozo para a alma, o ser “considerado” bom e justo, é o bálsamo, o elixir psicoespiritual que ele precisa para também, “considerar” a si mesmo, como uma pessoa digna da existência.
Partindo desse princípio, voltemos à pergunta: como os donos da máquina virtual conseguem exercer tanto poder sobre o mundo? E a resposta: manipulando a mentalidade coletiva através de questões sobre as relações humanas, na vida cotidiana em sociedade. Joga-se uma questão e uma ideia-padrão de resposta ética e moral para ela, uma ideia simples que possa convencer de que aquela é a verdade, e que esteja alinhada com o pré-padrão do pensamento vigente. Aí é batata! Cada indivíduo corre para abraçar aquela causa o mais forte possível, para demonstrar aos demais, quão bom ele é, quão justo e o quão integrado ele está ao sistema “ético-lógico-moral” em que seus pares se reúnem. E não tem pra mais ninguém, o raciocínio autônomo e imparcial, perde espaço para o moral-emocional, os efeitos dramáticos especiais, viram a luz da razão que os guia como um farol da verdade absoluta e todo o resto é estrume de lógicas pessoais inventadas, para deturpar aquela ilibada aura de justiça, que os cobrem como um manto sagrado do bem a que se louva.
Na maior parte das vezes, essas ideias-padrão são dúbias, deixando margens escancaradas para outras interpretações e é ai que entram os “desavisados”, aqueles que acreditam que podem emitir uma opinião contrária, livremente, que coabita com seres esclarecidos o bastante para que, mesmo que eles não concordem, respeitem e ao menos aceitem olhar para o objeto da questão, por outro ângulo, sem fazer juízo moral contra ele. Nesse contexto é que vemos o rolo compressor em ação e ele chega esmagando tudo e todos que estiverem pela frente, com a brutalidade de quem se acredita estar no topo da absoluta verdade, qual o Cristo a expulsar vendedores hereges da porta do templo.
É claro, o povo facilita bastante todo esse processo, quando se divide em subgrupos disso ou daquilo ( e não estou me eximindo dessa culpa), o próprio povo estipula suas linhas de pensamento, seus moldes, suas doutrinas, daí basta pegar um gancho desses qualquer e usar para uma testagem em massa e se a força de uma ideia-padrão da linha de montagem em série, pode ter tanta influencia em casos avulsos, presumi- se que ela funcione também nas questões comerciais e em qualquer outra coisa a que os donos da máquina virtual tenham interesse de controlar. Se eles são capazes de fazer com que oitenta por cento dos seus usuários adotem uma verdade estipulada, ignorando todo o contexto e a racionalização, que esqueçam todo o histórico do seu “opositor” e imediatamente o transforme em um inimigo da verdade, por essa ideia estar vinculada a pré-ideias já existentes, então eles podem qualquer coisa, qualquer coisa mesmo!
Como eu disse no princípio, não fazia ideia da força dessa Matrix, até ontem eu considerava tudo muito normal, pessoas que pensam diferente, discutindo, bloqueando, difamando, deturpando a imagem do outro, tirando coisas de contexto..., me parecia tudo muito razoável e seria, se não estivéssemos nos afundando em um abismo sem fim, se essa “brincadeira” nas redes sociais, não estivesse destruindo vidas, carreiras, pessoas e até governos e países inteiros...
Não, não estou falando de mim, até porque, não tenho muito a que possam destruir, nunca coloquei os alicerces da minha vida nessa areia movediça chamada “imagem”, mas cada vez mais vemos pessoas sentindo o peso desses surtos de histerias coletivas concomitantes e antes que você pense: “oras, é só não dizer bobagens nas redes sociais, guarde sua opinião para você que nada acontece”, saiba que, cedo ou tarde, coisas assim vão acontecer com você também, com todos que utilizam a internet, seja para fins pessoais ou profissionais, porque o ser humano não foi feito para viver dentro de caixas, ele não foi feito para caber em moldes e, cedo ou tarde, todos vamos discordar de uma ideia-padrão, dessas produzidas em linhas de montagem de pensamento e o que sei é que, o que pra mim não faz a menor diferença, porque não vou entrar em depressão se meus “amigos” considerarem que sou a favor do estupro, graças a uma opinião que emiti, para você, uma coisa dessas pode ter outros efeitos, assim como tenho visto ter para muitas pessoas e de forma nociva demais, para não darmos a devida atenção.
Confesso, demorou muito pra cair à minha ficha, quando assisti aqueles documentários que denunciam o efeito nocivo do poder que as redes sociais possuem, aquilo não me tocou, pensei comigo: “ e daí se eles sabem tudo o que eu gosto e vão ficar me mandando propagandas? Eu não tenho nada contra propagandas”. Fui muito rasa nesse raciocínio, mas, pensando agora sobre tudo o que tenho observado, tanto comigo, quanto com outras pessoas, enfim compreendo que uma página de rede social aberta, é como uma roleta russa acontecendo bem na nossa cara. A morte social, pra muita gente, pode ser até pior do que a morte de fato.
Por fim, deixo uma reflexão para todos nós, sobre a nossa responsabilidade com o outro. Se não formos capazes de discutir com argumentos, então que deixemos de discutir, porque ofender alguém, distorcer suas palavras para ganhar uma discussão, colocar em dúvida à moral dela apenas por uma opinião divergente da sua, apesar de estar sendo tão banalizado, é um crime, é calúnia, é difamação publica e nunca sabemos quais efeitos isso terá sobre a vida daquela pessoa. Por tanto, sejamos mais sensatos e menos passionais nessas defesas de ideias no ambiente virtual e tentemos manter a mesma ética nas redes sociais, que praticamos no nosso universo físico.
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