Coluna: Psico Brevidades. Dr° Marco Antônio de Araújo Bueno
Em pensando no "Tirar a própria vida" logo vem à tona as questões atuais da Medicina Paliativa etc. Não é disso que se trata aqui, mas também não é do suicídio que desejo falar: é do ritual hipermoderno de se circunscrever em torno de uma prática que descrevo como "encenação compartilhada de futuro".
Sim, de futuro do presente, ou do presenteísmo que se pode exercitar nas redes, com vistas a minorar algumas dores da alma e a ansiedade delas decorrente. Também não falo da excitabilidade de uma fase pós-depressiva que pode incitar novo quadro depressivo, por conta do excesso de fármacos ou do desgaste existencial que uma depressão clínica promove. É de algo de existencial e ritualizado que se trata aqui - um mal-estar que leva jovens a planejarem coletivamente, nas redes, o seu singular "tirar a vida". Existe!
A ruptura com a "verticalidade" do século XX (o do paradigma do Pai-patrão e tal) do 'lá em cima' (que Nietzsche derrubou) e do para baixo (que se revestiu de tanto glamour) já se operou nesse início do XXI. O "spleen" do IX decaiu com a própria literatura (que não seja a narcísica da autoajuda) e não tem mais o poder de inflamar nenhuma imaginação (pós Cyber-punk, automutilação , a 'decadence' e os 'paraísos artificiais' não mais excitam mais); a nova ordem mental exige menos adrenalina do que as pautas culturais oferecem, do que as substâncias e chás prenunciam, do que as anfetaminas garantiam, então o 'real' ganhou atrativos mais berrantes que o sangue, o esperma e os fluídos químicos de qualquer natureza. Presumir a transcendência virou um jogo de avatares mais concretos, mais matizados e que se pode ensaiar por aqui mesmo, mais na virtualidade que na virtuosidade. Morrer com estilo, com todo um pré-compartilhamento e um agenciar a morte própria com requintes menos paradisíacos e mais delicados do que se podia supor na era das máquinas-de-costura".
Não se costura mais as angústias nas sessões de psicoterapias, convencionais ou alternativas, não se recorre a qualquer cerzimento das psicanálises, muito menos a bandagens das cognitivo-comportamentais.
A dor aplacar-se-á não mais no 'aqui-e-agora' dos imediatismos hedonistas, nem nas transcendências neopentecostais que, hoje, colam na ultradireita, até na Espanha, tão conservadora, tão tradicionalmente...vitalista! A coisa está mais "chã" como diria uma paciente do Cândido Ferreira, em Campinas, onde trabalhei por quarenta anos, e quando tinha uma vaga ideia de que se tirava a própria vida para se interromper uma dor insuportável. Da morte? Da morte ninguém sabe, ainda. Mas se sabe do encenar a própria morte de forma ritual, acolhida na ordem simbólica (como o diria Lacan) e plausível, já que tudo se dá como se a humanidade tivesse retrocedido à infância dos tempos, e, na infância, predomina a crença mágica na reversibilidade de tudo!
Eu vejo telejornalismo sim, todos os dias, e ainda comparo sua performance de emissora a emissora e escuto um vaivém de declarações e iniciativas que me retiram o chão. Penso que seja algo pontual, ninguém convive com isso! Mas se, em oito meses de bufoneies o meu entorno simbólico tantas vezes recrudesceu em tantas reflexões importantes, como a minha saúde por exemplo, ou o futuro da educação do meu filho e a minha velhice etc. Se vejo tudo a minha volta mudando de estado a cada pouco, por quê um jovem não suporia a reversibilidade de seu próprio 'status' existencial?
Seja para o que for, urge que adultos que maternalizem ou paternalizem jovens atentem para essa plasticidade deles na percepção do tempo, do espaço e do próprio corpo. A chamada "deep−web já vem ganhando até bitcoins com essa questão. E a gente policiando os faces deles. Sem encará-los!
Sobre o Autor:
Graduado em Psicologia (PUCAMP/79),
Mestrado e doutorado I e II pela UNICAMP.
Psicanalista lacaniano e escritor
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