Por Luiz Manfredini
O destampatório de Bolsonaro contra a Rede Globo na gravação que produziu em sua estada na Arábia Saudita, fez-me lembrar de um episódio de 40 anos atrás quando, apupado por manifestantes em Florianópolis, o último dos ditadores, o general João Figueiredo, resolveu sair no braço com o povo.
Guardadas as diferenças históricas que separam os dois eventos, ambos me parecem análogos. Na madrugada em Riad, Bolsonaro esmurrou na mesa, disse palavrão, gritou e esbugalhou os olhos contra a Rede Globo, que veiculara reportagem deixando no ar a eventual participação de algum dos Bolsonaros no assassinato da vereadora Marielle Franco. Como bom paranoico, esbravejou contra tudo e todos que, em sua opinião, e sob a direção da Globo, conspiram para desmoralizá-lo e à sua família e à família da sua mulher.
Vinte e três minutos e alguns quebrados em uma gravação que está na memória de todos e ganhou as redes sociais.
Em Florianópolis, em 30 de setembro de 1979, o general Figueiredo foi recebido com pompa e festa pelo governador Jorge Bornhausen, à frente do governo local. Esperava-o, no entanto, recepção menos calorosa que se avolumou enquanto o presidente estava no interior do Palácio Cruz e Souza, na Praça XV, sede do governo estadual. De dentro do Palácio, ele ouviu os apupos. Razões não faltavam para os protestos liderados pelos estudantes: a ditadura e suas restrições às liberdades, a inflação que corria sem controle, novo aumento dos combustíveis decretado naqueles dias.
Figueiredo, embora sempre carrancudo, não perdeu a bossa: apareceu numa das sacadas do palácio para acenar ao povo que, lá embaixo, esbravejava protestos. Ouviu um xingamento e, contrariando seus seguranças, desceu para a praça, disposto a confrontar os que o destratavam. A um repórter que conseguiu ouvi-lo no meio da multidão, esbravejou: “Por que a minha mãe está em pauta? Eles ofenderam a minha mãe. Por que isso? Por que essa baixeza? ”.
O episódio ficou conhecido como a “Novembrada”, símbolo da crescente luta popular contra a ditadura, que se decomporia aos poucos até a queda final no início de 1985, e emblemático do estilo bruto, primitivo, e violento do cavalariano João Figueiredo. O destempero de Bolsonaro disparado desde Riad, por sua vez, mostrou o que todos já conhecem: um presidente agressivo, cheio de ódio, paranoico, primitivo, de inequívoca tendência autoritária.
É de se indagar, com Cícero (em suas “Catilinárias”): Quo usque tandem abutere, Bolsonaro, patientianostra?
“Até quando, Bolsonaro, abusarás da nossa paciência?”.
Presos na Novembrada
A imagem dos militares estava arranhada, mas a repressão não demorou. Dois dias depois, sete estudantes foram presos, dentre eles Rosângela. Duas semanas depois, eles foram soltos devido à pressão do povo, que protestou durante dias na Praça XV. "Se tivesse que repetir, faria tudo de novo, tentaria fazer melhor. Mas, faria tudo de novo", comenta Rosângela.
Luiz Manfredini é jornalista a escritor.
Então, amigo você é uma testemunha da história.
Eu estava em Florianópolis este dia, cheguei no Centro, já era início da noite, muita euforia, ainda era ditadura, e forte, mas o povo foi a forra, me lembro que passou um grupo com um rapaz muito eufórico, tinha acertado um tapa na orelha do César Cals, ministro de Minas energia, confesso que pensei comigo, "grande coisa, com aquele orelhão até a minha vó perigava acertar um tapa na oreia do ministro.