Por Joaquim de Lira Neto - da página no Facebook "A MISÉRIA DA DEMOCRACIA"
Um aspecto fundamental da filosofia platônica é a distinção entre os mundos sensível e inteligível. Para Platão, o mundo sensível, ou seja, o mundo das coisas que captamos através dos sentidos, é composto por aparências e não por seres reais; o que é real, verdadeiro, são as essências, que são ideais, unas e imutáveis, e que se encontram no mundo inteligível. No mundo sensível há apenas cópias imperfeitas do mundo das ideias, pelo qual nossas almas já passaram e do qual podemos nos lembrar através de intenso esforço intelectual.
A alegoria da caverna, que Platão descreve no Livro VII d’A República, trata, justamente, da superação do mundo das aparências com a ascensão às verdades, através de um caminho tortuoso.
A caverna é descrita da seguinte maneira: “Suponhamos uns homens numa habitação subterrânea em forma de caverna, com uma entrada aberta para a luz, que se estende a todo o comprimento dessa gruta. Estão lá dentro desde a infância, algemados, de pernas e pescoços, de tal maneira que só lhes é dado permanecer no mesmo lugar e olhar em frente; são incapazes de voltar a cabeça, por causa dos grilhões; serve-lhes de iluminação um fogo que se queima ao longe, numa eminência, por detrás deles; entre a fogueira e os prisioneiros há um caminho ascendente, ao longo do qual se construiu um pequeno muro, no gênero dos tapumes que os homens dos ‘robertos’ colocam diante do público, para mostrarem as suas habilidades por cima deles” (PLATÃO, p. 315).
A questão é a de que os prisioneiros somente conhecem do mundo as sombras que, passando por cima do muro, são projetadas no fundo da caverna, sendo relativas aos objetos reais, ou pessoas reais, que estão fora da caverna. Platão levanta a questão de que os prisioneiros tomariam as sombras por reais, pois constituem a única realidade que conhecem. Além disso, Platão também afirma que, caso um prisioneiro se soltasse, ao tentar sair da caverna, sentiria muitas dores, a subida seria difícil, e a luz do sol feriria seus olhos.
Inicialmente, o fugitivo preferiria a realidade da caverna, à qual já estava acomodado, mesmo sendo ela falsa, um mundo de mera aparência! Entretanto, após um período de sofrimento, o fugitivo entenderia a superioridade do mundo fora da caverna. Platão ainda afirma que, se o prisioneiro voltasse e tentasse convencer seus antigos companheiros a sair, poderia ser agredido e até morto por eles.
Infelizmente, a alegoria platônica ainda tem muito a nos ensinar. Recentemente, foi divulgado um estudo do centro de pesquisas americano Pew Research Center, conduzido entre outubro de 2019 e março de 2020, e que revela que, entre 20 países, o Brasil é o que menos confia em cientistas.
Entre os países que mais acreditam na ciência estão Índia, Austrália, Espanha e Países Baixos, com índices de alta confiança de 59%, 48%, 48% e 47%, respectivamente. A média de pessoas que têm “muita” confiança nos cientistas é de 36%. Enquanto isso, os brasileiros são os que menos acreditam que os cientistas fazem o que é certo para a sociedade, de forma que 36% dos entrevistados disseram confiar pouco ou nada neles, e apenas 23% acreditam muito nas atitudes dos cientistas.
É verdade que o Brasil não é o único país do mundo em que são vistas atitudes esdrúxulas, como pessoas se negando a usar máscaras durante a pandemia. Entretanto, o atual desprezo pelo conhecimento acadêmico/científico, que, inclusive, é propagado pelo próprio governo brasileiro, é bastante preocupante. Atualmente, grande parte das redes sociais fornece certa legitimidade ao senso comum, em detrimento do conhecimento científico. Buscar o conhecimento acadêmico é o compromisso daqueles que, neste período de trevas, apesar de todo o sofrimento, ainda buscam corajosamente sair da caverna.
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Referências:
PLATÃO. A República. 9 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. https://veja.abril.com.br/.../estudo-aponta-confianca.../.... Fonte da imagem: Pinterest
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