Flávio Amoreira Viegas, em “Pagu, eterna, internamente”, A Tribuna, 2010.
"Sonhe. Tenha até pesadelos, se necessário for. Mas sonhe."
- Patricia Galvão (Pagú)
Patrícia Rehder Galvão, a Pagú (São João da Boa Vista SP, 9 de junho de 1910 - Santos SP, 12 de dezembro de 1962). Escritora, jornalista tradutora e ativista política e cultural. Aos 3 anos, muda-se com a família para São Paulo e vai residir no bairro industrial do Brás. Conclui os estudos na Escola Normal em 1928, ao mesmo tempo que estuda literatura e arte dramática no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. No ano seguinte, aos 19 anos, conhece o escritor Oswald de Andrade (1890-1954) e a artista plástica Tarsila do Amaral (1886-1973), envolvidos com o movimento antropofágico, e tem um de seus desenhos publicado na Revista de Antropofagia.
Em 1930, Pagu, nome criado pelo amigo e escritor Raul Bopp (1898-1984), casa-se com Oswald e realiza o sonho de emancipar-se definitivamente da família. A militância política inicia-se em 1931, quando ingressa no Partido Comunista Brasileiro (PCB) e afasta-se de casa para seguir as atividades do partido. Com a ajuda financeira de Oswald, publica Parque Industrial, em 1933, o primeiro romance brasileiro a ter operários como protagonistas, assinado com o pseudônimo Mara Lobo. Pagú viaja por diversos países como correspondente dos jornais Correio da Manhã, Diário de Notícias e Diário da Noite. No Brasil, por causa de suas atividades políticas fica presa de 1935 a 1940, é vítima de torturas e tem problemas com a saúde.
Ao sair da prisão, separada de Oswald, casa-se com o jornalista e escritor Geraldo Ferraz (1905-1979). Com ele, escreve o romance A Famosa Revista, publicado em 1945, e trabalha em diversos jornais, até ambos tomarem a frente do Suplemento Literário do Diário de S. Paulo, para o qual Pagú realiza traduções de autores estrangeiros e escreve crônicas na seção Cor Local. A partir de 1952, frequenta aulas na Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo (EAD/USP), envolvendo-se profundamente com o teatro. Ao mudar-se com o marido para Santos, em 1954, para trabalharem no jornal A Tribuna, inicia um intenso movimento pelo teatro amador na cidade, traduzindo e montando peças, lecionando e até mesmo fazendo campanha para a construção do Teatro Municipal. Morre em 1962 e deixa vários escritos inéditos, que começam a ser organizados e publicados posteriormente, como os contos policiais reunidos em Safra Macabra, originalmente escritos para a revista Detective, editada por Nelson Rodrigues (1912-1980), com o pseudônimo King Shelter.
:: Fonte: Enciclopédia de Literatura Brasileira/ Itaú Cultural (com atualizações e edições realizadas pelos editores deste site)
"Eu procurava. Sem saber o quê. Sem nada esperar. Alguma coisa que me absorvesse com certeza. (...) Tinha momentos de grande enternecimento junto de meu filho. Mas eu repelia esses momentos. Eu sofria muito, desconhecendo a causa desse sofrimento. Uma noite, andei pelas ruas vazias, chorando; depois, muitas outras noites."
- Patrícia Galvão, em "Paixão Pagu: uma autobiografia precoce de Patrícia Galvão". [Organização Geraldo Galvão Ferraz]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Agir, 2005.
CRONOLOGIA
1910 - Nasce em 9 de junho, em São João da Boa Vista, São Paulo;
1913 - Mudança da família para a cidade de São Paulo;
1925 - Usando o pseudônimo Patsy, colabora no Brás Jornal, publicado no bairro operário onde vive com a família. Estuda no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo e entre seus professores está o escritor Mário de Andrade (1893 - 1945);
1928 - Conclui o curso de magistério na Escola Normal de São Paulo. Passa a frequentar reuniões na casa da artista plástica Tarsila do Amaral (1886 - 1973) e do escritor Oswald de Andrade (1890 - 1954). Tem um desenho publicado no segundo número da Revista de Antropofagia;
1930 - Casa-se com Oswald de Andrade;
1931 - Entra para o Partido Comunista Brasileiro - PCB. Edita, com Oswald, o jornal O Homem do Povo, e assina a coluna A Mulher do Povo, entre 27 de março e 13 de abril. É presa num comício de estivadores na cidade de Santos, São Paulo;
1932 - Seguindo orientação do Partido Comunista muda-se para vila operária Maria Zélia, bairro do Belenzinho, em São Paulo, e se dedica a vários trabalhos e ofícios como, por exemplo, o de tecelã;
1933 - Publica clandestinamente o primeiro romance brasileiro que tem operários como protagonistas, Parque Industrial, assinado com o pseudônimo Mara Lobo. Em dezembro, inicia viagem por diversos países do mundo e envia reportagens aos jornais Correio da Manhã, Diário de Notícias e Diário da Noite;
1934 - Instala-se em Paris, trabalha para o jornal L'Avant-Garde e entra para o Partido Comunista francês usando o nome Léonie. Na capital francesa, é presa três vezes;
1935/1940 - No Brasil, é presa após o levante comunista, e cumpre pena de quatro anos e meio. Ao ser libertada, separada de Oswald, casa-se com o jornalista e escritor Geraldo Ferraz (1905 - 1979);
1946/1948 - Edita com Ferraz o Suplemento Literário do Diário de S. Paulo, importante difusor das idéias e atitudes da geração concretista;
1950 - Lança-se candidata a deputada estadual pelo Partido Socialista Brasileiro - PSB. Publica o panfleto político Verdade e Liberdade;
1952 - Freqüenta a Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo - EAD/USP;
1954 - Traduz, pela primeira vez no Brasil, a peça Cantora Careca, do dramaturgo romeno Eugène Ionesco (1909 - 1994). Fixa-se em Santos e passa a trabalhar para o jornal A Tribuna;
1959 - Colabora para a realização do 2º Festival Nacional de Teatro de Estudantes de Santos. Sai uma nova edição de A Famosa Revista, reunida ao romance Doramundo, de Ferraz, com o título Dois Romances;
1960 - Em Santos, traduz e dirige a peça A Filha de Rappaccini, do escritor mexicano Octavio Paz (1914 - 1998);
1962 - Morre em Santos, no dia 12 de dezembro;
“Deu-se esta semana uma baixa nas fileiras de um agrupamento de raros combatentes. Ausência desde 12 de dezembro de 1962, que pede seu registro do companheiro humilde, que assina estas linhas. Patrícia Galvão morreu neste dia de primavera, nessa quarta-feira, às 16 horas (...) Morreu aqui em Santos, a cidade que mais amava, na casa dos seus, entre a Irmã e a Mãe que a acompanhavam, naquele momento e, felizmente, em poucos minutos, apenas sufocada pelo colapso que a impedia de respirar, pela última palavra que pedia ainda liberdade, ‘desabotoa-me esta gola’.”- Geraldo Ferraz, em “A Tribuna”, 16/12/1962.
1994 - O romance Parque Industrial, publicado de forma artesanal e clandestina em 1933, ganha edição oficial;
1982 - É lançado o curta-metragem Eh, Pagu, Eh!, dirigido por Ivo Branco;
2001 - Estréia o curta Pagu: Livre na Imaginação e no Tempo, dirigido pelo filho Rudá de Andrade (1930) e Marcelo Tassara;
2004 - É lançado o livro Croquis de Pagu, com desenhos produzidos entre 1929 e 1930
"Por que dar tanta importância à minha vida? Mas meu amor: eu a ponho em suas mãos. É só o que tenho intocado e puro. Aí você tem minhas taras, meus preconceitos de julgamento, o contágio e os micróbios. Seria bom se eu tivesse o poder de ver as coisas com simplicidade, mas minha vocação grandguignolesca me fornece apenas a forma trágica de sondagem. É a única que permite o gosto amargo de novo. Sofra comigo."
- Patrícia Galvão, em "Paixão Pagu: uma autobiografia precoce de Patrícia Galvão". [Organização Geraldo Galvão Ferraz]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Agir, 2005, p.52
OBRA
Romance
Capa da 1ª edição do "Parque Industrial", Mara Lobo
pseudônima de Patrícia Galvão
Parque industrial. [publicado sob o pseudônimo de Mara Lobo]. Edição do Autor, 1933; Reeditado em fac-símile, salvo a capa, com apresentação de Geraldo Galvão Ferraz. Editora Alternativa: São Paulo, 1981; 3ª ed., Porto Alegre: Mercado Aberto; São Paulo: EDUFSCar, 1994. (Novelas Exemplares).
A famosa revista. [Patrícia Galvão e Geraldo Ferraz]. Editora Americ-Edit , 1945.
Conto
Safra macabra. [contos policiais, escritos sob o pseudônimo King Shelter, publicados originalmente na revista Detective, dirigida pelo dramaturgo Nelson Rodrigues]. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1998.
Panfleto político
Verdade e Liberdade. Edição do Autor, 1950.
Jornal
O homem do povo. {Oswald Andrade e Patrícia Galvão}.. [Coleção Completa - fac- similar do jornal criado e dirigido por Patrícia Galvão, a Págu e Oswald de Andrade - Março/Abril 1931], esta edição foi feita a partir do microfilme da coleção de O Homem do Povo que pertenceu a Astrojildo Pereira.. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1ª ed., 1955; 2ª ed.,1985; 3ª ed., São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Globo editora, 2009, 180p. ___ :: O semanário (jornal) "O Homem do Povo", produzido por Oswald de Andrade e Patrícia Galvão (Pagú), foi publicado entre março e abril de 1931. Edição nº 1 de 'O Homem do Povo', disponível ONLINE. (acessado 21.04.2014).
Biografia
O "Álbum de Pagu" ou Pagu - nascimento, vida, paixão e morte (1929). Publicado nas revistas Código nº 2, Salvador, 1975 e Através nº 2, Duas Cidades; São Paulo, 1978.
Paixão Pagu: uma autobiografia precoce de Patrícia Galvão. [Organização Geraldo Galvão Ferraz]. Rio de Janeiro: Agir/Ediouro, 2005.
Desenho
Patrícia Galvão (Pagú), por Cândido Portinari (1933)
Croquis de Pagu - e outros momentos felizes que foram devorados reunidos. [Organização Lúcia Maria Teixeira Furlani e Geraldo Galvão Ferraz]. Santos: Unisanta; São Paulo: Cortez; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004.
Traduções e edições estrangeiras
Inglês
Industrial Park: A Proletarian Novel [Parque Industrial]. Tradução Elizabeth e K. David Jackson. Lincoln: University of Nebraska Press, 1993.
Traduziu
James Joyce, Eugène Ionesco, Arrabal e Octavio Paz
"Talvez eu não devesse começar meu relatório hoje. Com olhos de sol. Que preguiça de pensar. A longa história cansa. Não será ainda uma modalidade de fuga? Uma justificativa contra o conhecimento? Quero rolar na areia e esquecer... Se eu tivesse a certeza de que não me custaria nada falar, eu não falaria. Escrever já é um desvio favorável ao esconderijo. No fundo, eu penso na defesa dos detalhes, porque sei que os detalhes justificarão em parte minha maneira de ser. A minúcia será o castigo de minha covardia. Minha humilhação está na minúcia."
- Patrícia Galvão, em "Paixão Pagu: uma autobiografia precoce de Patrícia Galvão". [Organização Geraldo Galvão Ferraz]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Agir, 2005, p.51 e 52.
PATRÍCIA GALVÃO, A PAGÚ, É A PRIMEIRA MULHER PRESA POLÍTICA DO BRASIL
Passaporte de Patrícia Galvão, a Pagú (1929) © Acervo DEOPS/SP
- Arquivo Público Estadual São Paulo
A Patrícia Galvão jovem não só era uma mulher atraente como revolucionária, ativista, ligada às vanguardas de seu tempo, que não perdeu a dignidade nem mesmo quando submetida a torturas físicas e psicológicas pela ditadura do Estado Novo (1937-1945).
Prontuário de Patrícia Galvão (Págu) no Acervo do DEOPS/SP: A pasta traz informações sobre a militância da escritora, como recortes de jornais, registros de prisões, fotos e o passaporte de 1929.
** Disponíveis online :: Arquivo Publico do Estadode São Paulo - Memória Política :: Arquivo Memória Pública (Política e resistência) do Acervo DEOPS - Documentos Patrícia Galvão (Pagú)
Prontuário nº 001053 - Patrícia Galvão (Pagú), © Acervo DEOPS/SP Arquivo Público Estadual São Paulo
"Fomos encerradas em celas contíguas, as celas conhecidas da cadeia de Santos. Havia um buraco no centro e era preciso escancarar as pernas para não mergulhar na imundície. Tinha o pescoço dolorido, a garganta ardendo, muita vontade de me atirar num chão e dormir. Mas não podia sequer encostar nas paredes da cela. A instalação elétrica. O esguicho imundo e o que era pior, o barulho que me enlouquecia a cada cinco minutos, como o intervalo que me fazia ouvi-lo cada vez antes de começar. Quantas horas cantei ali. Quando fui conduzida da cela para o xadrez, não percebia mais nada. Não pude perceber quando perdi os sentidos.
Lembro me apenas da dor intensa que sentia na garganta e da minha falta de voz, quando não pude mais cantar."
- Patrícia Galvão, em "Paixão Pagu: uma autobiografia precoce de Patrícia Galvão". [Organização Geraldo Galvão Ferraz]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Agir, 2005, p. 90.
A prisão de Patrícia Galvão (Pagú). Brasil, 1931 - © foto: Acervo do
Arquivo Edgard Leuenroth/Unicamp
"[...] Outros se mataram. Outros foram mortos. Também passei por essa prova. Também tentaram me esganar em muito boas condições.
Agora, saio de um túnel.
Tenho várias cicatrizes, mas estou viva."
- Patrícia Galvão, em "Verdade e Liberdade” (1950).
“Patrícia Galvão é um universo caleidoscópico que vai além de simplesmente Pagu. Paulo Francis, mestre de minha geração que completaria 80 anos em setembro, dizia que certos ícones, como Billie Holliday, Ana Magnani ou Callas, são mais que mulheres: representam ―força da natureza‖. Assim vejo Pagu: ela se naturaliza amalgamada ao mar, à cultura, à arte visceral e epidermicamente. Paixão Pagu, livro que reúne cartas a Geraldo Ferraz, me deixou em êxtase semelhante à minha descoberta muito jovem de Clarice Lispector: Pagu desnuda-se de maneira que universaliza sentimentos preciosos: busca de sabedoria, prática intelectual extremo desejo de ser amada. Me vi refletido em muito que essa personagem digna de Brecht e Gorki, mas com ares de Tennessee Williams, inspira: Pagu era Rosa Luxemburgo com excesso de lúcida sensibilidade de Blanche Dubois: ―Um bonde chamado desejo. Libertária, não seguia ortodoxias; modernista, admirava Vicente de Carvalho; contraditória, múltipla: ela continha galáxias. Para o Brasil, para o teatro, para Santos, para a cultura seus 52 anos representam milênios que a escritora Lúcia ousou de modo exegético adentrar e esmiuçar como ourives do pensamento: intelecção com emoção. Pagu sempre me pareceu uma Antígona: a mulher que, em nome da liberdade e sacrificando por momentos valores como família, convenções e candura atribuídos a uma mãe, esposa e companheira, fez valer uma coragem que só a ―anima mítica‖ é capaz para uma sociedade realmente humana!”
- Flávio Amoreira Viegas, em “Pagu, eterna, internamente”, A Tribuna, 2010.
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