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Foto do escritorCuritiba Suburbana

Para Nilcea Freire

Por Cintia Pavlitchenko



Piquei uma peça de acém em pedaços grandes. Refoquei muito alho, cebola e bacon em banha de porco. Paprika, kummel, pimenta preta - as bolas inteiras, moídas na hora, como deve ser.

Desce o pano pra 15 anos atrás.

Era um jantar pra celebrar uma derrota.

Só Nilcea mesmo pra ter uma idéia dessas.

Perdemos a eleição da UERJ pra um campo tosco, mal preparado, desafeito a humanidades. Estávamos tristes. E ela decidiu que viveríamos esse luto comendo boef bourguinon (parece chique, meu amor, mas é carne de segunda cozida por horas com os matinhos certos) e tocando piano, ainda que não houvessem pianistas entre os convidados (não tem problema, temos vinho suficiente pra fazer alguém receber Chopin ou Elton John).

Quando ela pediu pra eu chegar na casa dela às nove da manhã pra ajudar a fazer um jantar marcado pras 20h, eu achei estranho. Mas dirigente dirige, né?

Ela vinha arrastando um carrinho de feira imenso quando chegamos à sua portaria, eu e Patricia. Já em casa me entregou 5kg de chalottes  - pequeníssimas cebolas que eu devia descascar com muuuito cuidado, "pra não ficarem menores". Fiquei muito espantada mas ela disse: senta ali no cantinho e cai dentro, vou fazer café pra dar um gás. Uma hora depois, nem um terço da tarefa cumprida, ela me deu água e informou que eram quase 11, podíamos a abrir o primeiro espumante. Em algum momento ela mencionou pimenta do reino, me apontou uma prateleira e eu não achava. "Essas bolotas pretas, ué!". Eu só conhecia pimenta em pó, moída, de saquinho. Ela riu um riso metido: " com isso não se faz comida, não tem gosto de nada, pimenta tem que comprar assim inteira e moer, tolinha; vem aprender." Todo encontro, qualquer cinco minutos de conversa - sempre sempre sempre ela tinha o que ensinar; eu, ela me encantava, sempre quis aprender.

Às 18, tudo pronto, mesa posta, comida perfumando a casa e nossos cabelos, estávamos sentadas no chão da cozinha, suadas, de avental, berrando gargalhadas, meio de pileque. Eu já tava achando que o povo ia chegar e foda-se, encontrar a gente assim. Num determinado momento, num pinote, ela se pós de pé, secou o rosto no avental, ajeitou os cabelos. "Daqui a pouco o povo vai chegar, vamos nos arrumar". Entregou toalhas, mostrou o banheiro. Largou uma gargalhada e bailou cantando, performática: The shoooooooow must go ooooooooon".

Que mulher fascinante. Quantas dezenas de histórias me invadem e me fazem sorrir e chorar, "dicho y quebranto caminham juntos na vida de quem anda na luta política, minha filha".

Pra você, por você, minha amiga, meu amor, minha mãezinha, the show há de must go on nessa merda. Te honrarei sempre, sendo implacavelmente altiva, insuportavelmente "intolerante com os absurdos".

Gracias, gracias, gracias.


Cintia Pavlitchenko.


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