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Foto do escritorCuritiba Suburbana

Pacote do Moro: 408 contra 9: A oposição parlamentar é lixo não reciclável

Por Mário Maestri




A noite de 4 de dezembro foi histórica. Após penar por um ano, o PL 10.372/2018, dito pacote “Anticrime” de Sérgio Mouro, fusionado ao de Alexandre de Moraes, recebeu aprovação esmagadora na Câmara Federal. Nada menos que 408 votos a favor e nove contra. Faltou pouco para emparelhar com as deliberações no Comitê Central do Partido Comunista chinês! Qual é a importância exemplar da arrasadora votação, se tantos outros projetos de lei contra a população e a nação, que estão instalando um verdadeiro AI 5 silencioso e formalmente legal, tramitam ou são aprovados sob o silêncio quase total da oposição parlamentar dita de esquerda. Apenas um exemplo. No dia 14 de setembro, a “MP da Liberdade Econômica”, estupro complementar dos trabalhadores, abocanhou 345 votos a favor e apenas 76 contra. Ou seja, uns dez deputados ditos oposicionistas votaram a favor e vinte ficaram em casa, acovardados.


São múltiplos os objetivos golpistas do “Pacote anticrime” e vários os sentidos de sua aprovação consensual pela oposição “faz de conta”. Moro foi sacralizado pela mídia quando articulador da Lava Jato. O projeto de lei é o “carro chefe” de sua ação como Ministro da Justiça, após as eleições de 2018, período no qual tem sido “fritado” por Bolsonaro e foram revelados seus atos ilegais e ambições pessoais. Servidor disciplinado dos órgãos de segurança estadunidenses, ele propõe-se o privilégio de ser a terceira “barriga de aluguel” do golpismo em 2022, após Temer e Bolsonaro, que sonha com o repeteco, daí sua má vontade com o juiz das camisas negras. Moro retorna reforçado pela vitória estrondosa e promete aprovar em novos projetos de lei o pouco que foi deixado para trás - “excludente de ilicitude”, etc.



Medo e Repressão


O Projeto de Lei em questão propõe sobretudo a solução da falta de segurança pública, exacerbada pela miséria e exploração popular, através de medidas autoritárias, repressivas e punitivas. Economiza-se nos lápis, esbanja-se no cacetete! Isso em um país que pratica maciça e impiedosa repressão-contensão de jovens, de negros, de pobres, de desempregados, de marginalizados etc., lançando mão sistematicamente ao extermínio físico. Trata-se de avanço qualitativo da proposta de solução da crise social através do congelamento da população através do medo e da repressão. Ou seja, a generalização legal do terrorismo de Estado amplamente praticado. Os instrumentos para o controle do país pelas forças armadas e policiais, em consolidação desde o golpe de 2016, e a defesa dessa nova ordem, viajam de contrabando nas medidas de força aprovadas na Câmara, no dia 4, e no Senado, 11, em votação simbólica, sem restrições de qualquer tipo.


O Projeto de Lei determina dezenas de modificações sobretudo na legislação penal e processual. A mais altissonante e bombástica, dirigida para a classe média e média alta sedenta de sangue e para a população engambelada, é a elevação, de trinta para quarenta anos, da pena máxima de aprisionamento, sob a justificativa da maior expectativa de vida do brasileiro! A mesma desculpa esfarrapada para o aumento do tempo de trabalho necessário para a aposentadoria! Com o passar dos anos, uma sociedade mais justa, mais culta, mais igualitária deveria reduzir o emprisionamento, assim como o aumento da produtividade do trabalho devia impor aposentadorias mais precoces. Diversos outros crimes tiveram as penas aumentadas. Promete-se, assim, seguir juntando mais gente, por mais tempo, aos mais de oitocentos mil encarcerados. Isso quanto temos umas 370 mil ordens de prisão não executadas. Muito logo, cada duzentos brasileiros terá seu prisioneiro! E para não se dizer que não se pensou nas consequências das medidas, facilitou-se a construção de presídios de segurança máxima, certamente para terem a gestão privatizada!



Um Estado Policial-Militar


Outra medida de viés anti-democrático e policialesco e de amplo alcance é a instituição de banco de dados nacional, à disposição do Ministério da Justiça, ou seja, de Moro ou um ser semelhante a ele, com a íris dos olhos, o rosto, a voz, as impressões digitais, etc. Uma forma de manter sob controle policial-militar, sobretudo com a introdução dos atuais instrumentos de identificação facial, a totalidade da população brasileira, com destaque para opositores, sindicalistas, estudantes, o que for necessário. Facilitaram-se o controle e a invasão policial legal da internet e agravou-se a pena para crimes ditos de “honra” através dela - calúnia, difamação ou injúria. Medida que amordaça a população e fere o direito de expressão. Toda mulher ou homem de bem que criticar presidente, senador, ministro, general, deputado ou qualquer homem rico ou encostado no Estado correrá o perigo de dura punição, sobretudo econômica.


Estabeleceu-se a possibilidade de denunciar malfeitos contra instituições públicas, com o direito a até 20% do valor da denúncia. Nesse novo faroeste da administração pública, choverão acusações irresponsáveis, interessadas e cobiçosas, encobertas pelo anonimato e pela inimputabilidade, destinadas a prejudicar desafetos, alcançar promoção profissional ou enriquecer à custa do erário público. Abrem-se assim possibilidades infinitas, um verdadeiro “o céu é o limite”, para manipulações da Justiça, policiais, privadas, etc. nessa terra abençoada onde se condena vivente, sem provas, por ser proprietário hipotético de apartamento e sítio de donos conhecidos.



Nova Ordem Militar-Policialesca


Estabeleceu-se o direito de agente de segurança ser defendido por advogado da corporação quando investigado por malfeitoria realizada em serviço. Ou seja, o policial preso em flagrante por “achacar”, “aliviar” ou golpear um cidadão vai ser defendido às custas do Estado, portanto com os impostos pagos também pelo cidadão ofendido! Na nova ordem ditatorial-constitucional em construção, procura-se garantir a mais ampla impunidade -de fato e legal- e amplos privilégios para policiais, policiais-militares e soldados envolvidos nos atos repressivos.


O “Pacote Moro” contribui para a construção incessante dessa nova institucionalidade militar-policialesca, em aceleração desde 2016. Em verdade, movimento, anterior ao golpe, como registra a dita Lei Anti-terrorismo, nº 13.260/2016, sancionada pela então presidenta Dilma Rousseff, em 16 de março de 2016, meses antes de sua deposição. Portanto, são límpidos e coerentes os objetivos políticos particulares e gerais dos deputados golpistas em votar o “Pacote Mouro”. São tortuosas e obscuras as razões que levaram as multidões de deputados da chamada oposição parlamentar -PT, PC do B, PSOL [parcialmente]- a apoiá-lo com disposição, tranquilidade e satisfação que lembram boiada solta no campo tomando o caminho do coxo do sal apetitoso.


Marcelo Freixo, a estrela psolista do Rio de Janeiro, sempre pra lá de frouxo na luta anti-golpista, tentou explicar seu apoio ao “Pacote Moro”. Segundo ele, durante um ano, teria labutado duramente para melhorá-lo, obtendo a retirada pela janela de algumas excrescências que já entram pela porta, como assinalou alegre o promotor e grande interessado do projeto de lei. Freixo não explica por que, após as conquistas liliputianas que festeja, não votou contra o projeto, de malefícios gigantescos, como seus outros seis companheiros de partido. Ou, até mesmo, por que não se ausentou da votação, sob qualquer justificativa, como o psolista David Miranda. A deserção sempre é menos feia que a facada traiçoeira nas costas dos companheiros de luta.



Uma Prefeitura vale uma Missa


Marcelo Freixo, Fernanda Melchionna e Edmilson Rodrigues, seus comparsas psolistas no voto vergonhoso, babam no travesseiro sonhando com as prefeituras do Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belém. Candidatos bom de votos, esforçam-se em ampliar o apoio dos segmentos médios e médios altos simpáticos à criminalização de negros e pobres, que vêem como delinquentes. Em agosto passado, no programa “Quebrando o Tabu”, do You Tube, Freixo participou de debate quase amoroso com a golpista empedernida Janaína Paschoal, com o mesmo objetivo. Luciana Genro, estrela do MES, tendência do PSOL de Melchionna, celebrizou-se pela negação do golpe e pela defesa ardosa e entusiástica de Sergio Moro e a Lava Jato, em 22 de abril de 2017, após o golpe! Vale a pena conferir! [http://www.justificando.com/2017/04/22/sobre-defender-ou-nao-lava-jato/]


As ambições eleitorais majoritários explicam a traição sem peias dos três deputados prefeituráveis. Mas como compreender o desbunde geral e festivo de mais de cem deputados ditos oposicionista? Dos mais de cinquenta petista, não se vergaram apenas Natália Bonavides, Erika Kokay e Pedro Uczai. Metade do PC do B ficou em casa e a outra votou disciplinadas com os golpistas, entre eles a midiática Jandira Feghali. O voto dos três psolistas lava-jatistas não foi também um deslise inesperado. Foi planejado pela direção do PSOL que liberou os deputados para escolherem em que time jogar -ou se esconder no vestuário- na partida decisiva do campeonato. Votaram contra o pacote os psolistas Sâmia Bonfim, Áurea Carolina, Glauber Braga, Ivan Valente, Luiza Erundina, Talíria Petrone. Aos nove samurais, esmagados na votação, nossa admiração.



Sem Contradições Essenciais


Em 2017, em Salinas, Lula da Silva gritou “Fica Temer”, quando ele balanceava. Em 2019, ao sair da prisão, repetiu a dose com o “Fica Bolsonaro”, quando o Capitão América estava também ruim de pernas. Nas duas ocasiões, sem sequer se referir ao golpe, apontou, para a população, às eleições bichadas e viciadas de 2020 e 2022, como via expressa, sem pedágio, para um maravilhoso retorno fantasioso aos tempos de seu governo. Propunha e propõe, nos fatos, multiplicação de senadores, deputados, vereadores etc. petistas, em tudo semelhante aos atuais! A rendição incondicional do dia 4 é o salto de qualidade no processo de acomodação ao golpe por parte do PT, PCdoB e da direção e facção psolista. Uma colaboração que apoia e facilita medidas estruturais golpistas e sabota toda e qualquer oposição de fato, retirando com sucesso o povo das ruas e desarmando ou isolando os movimentos grevistas.


A razão imediata do colaboracionismo da oposição “faz de conta” é sua preocupação em manter os aparatos partidários e as sinecuras eleitorais e representativas, mesmo despidas de qualquer caráter performativo. Ou seja, os deputados colaboracionistas procuram manterem-se agarrados aos uberes fartos do Estado, assumindo a função de oposição consentida desempenhada por vinte anos pelo MDB. Se juntarmos a eles os parentes, funcionários, assessores, jornalistas, dependentes, agregados, trata-se de segmento social com dezenas de milhares de membros, política e socialmente bem posicionados. Um lastro suplementar para o golpismo.


A razão profunda, determinante, essencial da colaboração é que esses partidos e parlamentares participam com o golpismo da adesão incondicional ao ordenamento burguês da sociedade. Certamente desejariam que ele fosse outro, mais flexível, menos assustador. Mas se negam a ameaçar as bases da sociedade atual. Temem tanto como nossos generais mobilização popular que transborde o atual ordenamento social. E, em seu trabalho socialmente patológico, a oposição colaboracionista se apoia em facções e segmentos sociais, sobretudo médios e médios altos, que se arranjam para conviver com a presente realidade, com alguma ou nenhuma dificuldade. E, sobretudo, temem perder ou arriscar o que ainda têm, com a radicalização popular e suaa inevitável exigência de fim dos privilégios de classe e de casta.


Lula está morto. O PT está morto. O PCdoB está morto. O Psol não consegue se mover, como troika de um trenó em que um cavalo puxa para a direita, o outro, para esquerda e, finalmente, o terceiro resiste empacado. A oposição colaboracionista não faz e não pretende fazer qualquer oposição real ao golpe. Segue jogando palitos diretamente com o Centão e, indiretamente, com os senhores generais. E esse é o segredo da votação do dia 4. Com a votação, disseram ao golpismo: - Podem confiar em nós! Somos traidores de fé! Sonham com um possível parlamentarismo de fato, dirigido por um congresso permanentemente controlado pelo grande capital e pelo imperialismo, com eles de oposição consentida, gozando as doces sinecuras. Entre elas, os bilhões do fundo partidário!


As eleições são a atual operação “atrapa bobo” do golpismo, com a adesão total e colaboração festiva da esquerda colaboracionista e de múltiplos grupos que se reivindicam da esquerda marxista, todos sonhando em eleger seus parlamentares e administradores municipais. Ela vai aprofundar ainda mais a depressão da oposição ao golpismo. Para defrontá-las, impõe-se juntar os cacos da esquerda classista e popular, que aceite a rejeitar de uma vez por todas o cretinismo parlamentar que envenena, e se agrupe em torno de um programa claro, que lute pelo “Fora Bolsonaro”, contra o golpe, pela reposição dos direitos perdidos e recuperação dos bens públicos alienados. Que defenda a recuperação imediata do trabalho e do salário, assim como a volta dos militares aos quartéis e a punição dos golpistas.


Quem sabe alguns dos deputados do “Front du refus” do dia 4 -Sâmia Bonfim, Áurea Carolina, Glauber Braga, Ivan Valente, Luiza Erundina, Talíria Petrone, Natália Bonavides, Erika Kokay e Pedro Uczai- não embarcariam em carro de som que chamasse a patuleia, indignada, sofrida e desorganizada, para descer às rua celebrando, com a coragem que é sua, a luta por seu destino. [Duplo Expresso, 12/12/2019]




Mário Maestri, 71, historiador. É autor de "Revolução e contra-revolução no Brasil:o Brasil: 1530-2019. 2 ed. ampliada." https://clubedeautores.com.br/backstage/my_books/278203

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