Por Gigio Ferreira
Certa vez, num ano que não me recordo muito bem... Acho que foi em 2003, por aí assim. Resolvi gozar minhas tão merecidas férias. Mês de julho. Calor pra porra, poeira pra porra. Mas antes de entrar de sola na crônica, devo dizer que estava em Belém quando fui convidado a conhecer a famosa BR 230. Tristemente batizada pela Ditadura Militar como - Transamazônica. A estrada que vai do nada a lugar nenhum. Mas quando aportei por lá, ela, a estrada, tinha um curioso apelido - TRANSAMARGURA. Que só fui conhecer seus intestinos e a piada, após percorrer seus iniciais 200 quilômetros após a bela cidade de Breu Branco.
Inicialmente toda pavimentada e sinalizada. Depois desses idílicos trechos, finalmente o pesadelo, tão bem narrado e mostrado no filme de Cacá Diegues - Bye Bye Brazil.
Poeira, lama, atoleiros, precipícios, curvas fechadas, curvas suicidas, trechos de filmes de terror em plena floresta exalando cheiro de onças.
Após o imenso cansaço, o ônibus que me levara até lá, de repente deu pane no motor. A sorte é que já nos encontrávamos na travessia de um profundo canal que separa a cidade de Vitória do Xingu. Às margens desse esplendoroso rio verde e gelado.
Quando descemos, o motorista nos explicou que um novo ônibus viria nos apanhar entre 14 e 15 horas. Quando olhei para o meu relógio de pulso, os ponteiros marcavam nove da manhã. Sol aberto, lugar paradisíaco. Muitas baiúcas nos dois lados da rodovia.
Os outros passageiros logo se dissiparam em suas loucas jornadas. Eu olhei para uma delas e para lá me dirigi. Boca seca, alma seca, bolso cheio, olhar perdido, muita curiosidade, pois não conhecia esse lado do estado do Pará.
Quando finalmente sentei-me em uma cadeira de plástico, fiz sinal para a única pessoa atrás de um balcão de madeira. Chamava-se Dona Maria. Maranhense, mas por adoção - paraense. Logo me serviu uma Cerpa bem gelada. Agradeci sua cordialidade e fiquei olhando admirado as belezas do lugar.
Na terceira cerveja, olhei para a estufa do boteco. Geralmente essas estufas exibem coxinhas mal fritas em óleo vagabundo. Mas ao firmar o olhar, notei que ela vendia peixe frito. Fiz sinal chamando-a. Logo me trouxe uma dose - ou seja, três peixes frito e uma cumbuca de farinha com duas rodelas de limão.
Devorei tudo com uma rapidez impressionante. No seu dizer, eu parecia uma ariranha esfomeada, kkkkkkkkkkk.
Após quebrar o gelo das apresentações pessoais, falei da minha ida para lá. Ela, Dona Maria, falou-me da sua chegada por lá.
E nisso eu fiquei biritando lentamente, pois era o único cliente no lugar às moscas. Já na sétima ou oitava cerveja, me deu vontade de comer novamente aquele peixinho frito tão saboroso. Foi quando ela me disse assim:
- Professor, aguarde aqui que já volto com o seu peixinho frito.
Aí eu fiquei pensando com a cuca de alguém que mora em Belém. Fiquei imaginando que ela, Dona Maria, iria pegar emprestado algumas postas de peixe frito na baiúca ao lado. E para a minha surpresa, a vi saindo em direção ao rio... De molinete e anzol em suas mãos. Gritei para ela:
- Ô Dona Maria... Venha aqui, por favor!
Lá veio ela em seu andar ligeiro. Quando ficou bem perto de mim, eu lhe disse:
- A senhora ainda vai pescar, é?
- É... Por quê?
- Nossa... Esqueça, isso vai demorar muito!
- Vai não! É jogo rápido!
Aí eu esvaziei a minha garrafa e meu copo, pois sou puta velha no assunto - Boa Noite Cinderela. Nunca deixo uma cerveja pela metade em cima de uma mesa. Pois é assim, desse jeito, que picaretas e prostituas se aproveitam dos incautos. Então drenei rapidamente a cerveja e fui com ela buscar o meu tira-gosto.
Quando finalmente ela amassou um pequeno pedaço de miolo de pão no anzol e o lançou para dentro do rio. Nem demorou um minuto para ela puxar das águas um peixe graúdo. Em dez minutos ela havia preenchido seu balaio, com cerca de vinte peixes fresquinhos.
Depois fui acompanhá-la ao girau. Era hábil na arte de limpar os peixes. Retirava as cabeças, os rabos e as tripas, que eles lá chamam de - bobó. Quase meio-dia e eu já estava me fartando de peixe, farinha e limão.
O ônibus só chegou no outro dia. Tempo suficiente para eu tomar o meu café da manhã com peixe frito e cerveja gelada.
O melhor de uma viagem é a conversa fiada com boa mesa e amor para dar.
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