Crônica de Pedro Carrano
O pedido de gás feito por Laura era uma dúvida. O entregador vai conseguir atravessar a lama da entrada? Não ficará assustado com uma área de ocupação bem ao lado de um conjunto de condomínios na região, no final da rua?
Ele não vai recuar diante dos borrachudos, do mato, dos mosquitos? E o principal: Laura conseguirá pagar esse serviço cada vez mais caro?
Carlos entrou, de honda 125 e tudo, artista circence equilibrando dois botijões na lateral e topou trazer a moto até a entrada do barraco da nossa amiga.
- Entrar foi fácil. Quero ver pra eu voltar, riu.
- Agora já podemos fazer um café!
Carlos parou a moto, distanciou-se, baixou a máscara prum cigarro, momento de descanso na manhã, o respiro contraditório da fumaça no meio de uma pandemia e da chuva fina de janeiro em nossas roupas. Madeiras carregadas, movimento de pessoas, naquele cenário que até parecia uma floresta, rompida pelo grito de aves, tudo isso fez o jovem recordar da onde vinha.
- Já ouvi o Jacu gritando.
- Pássaro engraçado!, brincou a filhinha de Laura, pés no chão, olhos potentes, de brilhos.
As crianças riem.
- Venho do interior, o senhor conhece o vale do Ribeira, dos bananais?
- Não precisa chamar de senhor não, porra.
- Trabalhei lá, na bananeira, mas aquilo não é vida. Sou jovem, resolvi vir pra cidade.
- Muito agrotóxico?
- Vi muito amigo meu se perder por ali, o avião nem avisava quando ia passar. E ficar com roupa de borracha naquele calor não tinha como.
- Esse é o destino pra juventude, uma amiga entrou na conversa, enquanto trocávamos a mangueira do gás do velho fogão doado.
- Não tem jeito, não tem oportunidade.
- A gente tinha que produzir tecnologia, não só bananas.
- Aquele mar devora muita gente.
Carlos se despede, agradecemos a forma como tratou as pessoas da ocupação, sem receios.
Gás instalado. Vibramos que as quatro bocas do fogão acendiam. Crianças em roda e em fúria de gritos: haveria como esquentar as coisas.
Pedro Carrano
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