Por Wilson Ramos Filho (Xixo)
Estudei sempre em escolas públicas: Lysímaco, Nilson Ribas, Estadual do Paraná. No Nilsão, final dos anos sessenta, início dos setenta, o diretor era milico: coronel Santa Rosa. Não era mais burro por falta de espaço, embora obeso.
Na frente do colégio tinha antipó, no acesso não. Eu atravessava um banhado, painas e saracuras, rãs e sapos, por pinguelas, para chegar. Cuidava, mas muitas vezes chegava com o sapato sujo de barro. O uniforme era obrigatório. Calça cinza de tergal, camisa branca, cinto e gravata preta. Suéter azul ou japona.O diretor exigia que os alunos estivessem sempre com os sapatos, de cadarços, brilhando.
Eu era baixinho. Na fila para cantar diariamente o hino nacional às 7h10, era o primeiro. Fila por altura, exigência da ordem e da disciplina. O coronel diretor passava em revista as filas para fiscalizar os uniformes e para conferir se os alunos estavam cantando corretamente o hino.
Parou na minha frente, eu aprumado, posição de sentido. Caprichava nos versos, plenos pulmões. Verdolento, vultuoso, o milico me encarou. Na hora do deitado eternamente soltou seu peso, pisando na ponta do meu sapato elameado. Segui cantando, suportando a dor. Ele seguiu apertando até que soltei um brado retumbante. Risos em todas as filas. Na vitrola o hino seguia, mas já ninguém cantava. Irritado o milico ergueu-me pelo cangote da jaqueta, tirando-me da fila. Ordenou todos para a aula. Eu, meio do pátio, suspenso, na ponta dos pés, exibido como exemplo da vergonha, do desleixo, sapatos sujos de lama, observado por todos em fila indiana a caminho das respectivas salas de aula.
Advertência escrita, deferia trazê-la assinada pelos pais no dia seguinte. Não bastava humilhar o aluno. A penalidade era extensiva à família. Tudo em nome da disciplina, valor supremo da ética castrense e fundamento da maneira de existir em sociedade imposta pela ditadura militar.
Agora que o Governo do Estado do Paraná tenta transformar 200 colégios em cívico-militares, a serem dirigidos por PMs aposentados, sob aplausos dos fascistas cultores da ordem e da disciplina, lembrei do Santa Rosa, das humilhações, da soberba e da prepotência meganha, pátria amada brasil.
Xixo, 28 de outubro de 2020.
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