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Foto do escritorCuritiba Suburbana

Medicina alternativa

As terapias alternativas são cada vez mais populares. Afinal, elas funcionam ou não? Por Bárbara Soalheiro e Alceu Chiesorin Nunes


O pai da medicina ocidental, o médico e filósofo grego Hipócrates, gostava de repetir enquanto cuidava de seus pacientes que “o homem é uma parte integral do cosmo e só a natureza pode tratar seus males”. Com isso, ele queria mostrar que as causas da doença eram naturais – e não punições divinas como se acreditava até então – e lembrar que o equilíbrio e a saúde do corpo estão diretamente ligados ao ambiente em que vivemos. Essa mesma frase voltou a soar atual nos últimos anos, ao mesmo tempo em que ocorre uma popularização dos métodos alternativos à mesma medicina ocidental que Hipócrates fundou.


A partir do século 17, quando as idéias do filósofo René Descartes começaram a influenciar a ciência, os tratamentos médicos passaram a ver o corpo humano como uma máquina em que cada parte tinha uma função específica e independente. Para Descartes, entendendo-se cada uma das partes, entende-se o todo. Simples assim. A medicina moderna, esquecendo o conselho de Hipócrates, ergueu-se sobre esse pressuposto e ainda está bastante apoiada nele. Hoje, a teoria de Descartes já não faz muito sentido. A ciência mais que provou a intrínseca relação entre mente e corpo e suas conseqüências para a saúde humana. Também está claro que isolar uma parte do corpo e desconsiderar o resto é receita segura para efeitos colaterais inesperados.


Isso não significa dizer que a medicina ocidental ortodoxa tenha desabado e que todos os médicos e hospitais estejam para sempre soterrados nos escombros. Claro que não. A medicina é um edifício sólido, cheio de méritos. Mas, em alguns países do globo, como Canadá e França, uma parcela tão grande quanto 70% da população recorre a tratamentos não convencionais de cura. Esses métodos são bem diferentes uns dos outros – inclusive nos resultados. Mas há algo mais ou menos em comum entre quase todos: eles enxergam o corpo como Hipócrates. Não somos máquinas, somos organismos vivos, cheios de partes interdependentes.


O uso crescente das técnicas alternativas – seja como opção à medicina ortodoxa, seja como complemento a ela – não determina por si só que elas sejam eficientes. Longe disso. Na verdade, estudos confiáveis atestando a eficiência de práticas alternativas são raríssimos. Veja o caso da homeopatia, certamente uma das mais conhecidas entre essas técnicas. Ela existe há mais de 200 anos, é procurada por milhões de pessoas no mundo todo e reconhecida oficialmente no Brasil como uma especialidade médica. Era de se esperar que, dada sua enorme popularidade, ela tivesse sido bem estudada pela ciência.


Pois, segundo um estudo feito pela prestigiada Escola Médica Península, da Inglaterra, foram feitos até hoje, no mundo todo, apenas seis exames rigorosos que comparam a eficiência de remédios homeopáticos com a dos convencionais. Só há oito estudos que comparam a ação da Arnica montana (um dos princípios ativos homeopáticos mais largamente utilizados) com placebo (“falsos” medicamentos, sem nenhum princípio ativo). É muito pouco e os resultados estão longe de ser conclusivos.


Isso quer dizer que a ciência dá as costas para a medicina alternativa? Talvez. Mas as “duas medicinas” têm se aproximado nos últimos anos e hoje admitem a possibilidade de incorporar características uma da outra. “As duas têm aspectos positivos e negativos”, disse Xiang Ping, reitor da Universidade de Medicina Tradicional Chinesa, em Nanquim, num discurso de formatura. “A ocidental baseia-se em análises e radiografias, mas não aborda o todo orgânico. Já a medicina tradicional chinesa é eficaz na regulação de todo o corpo. Penso que a combinação das duas medicinas seria perfeita e muito benéfica para as pessoas.”


Essa visão de que o corpo é um organismo interligado – e, portanto, não pode ser subdividido em partes independentes – parece ser uma das principais vantagens de muitas técnicas alternativas em relação à ortodoxia médica. “É verdade que, com a verticalização do conhecimento, muitos médicos passaram a ver ‘a doença do paciente’ e não ‘uma pessoa com uma doença’”, reconhece o presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CRM-SP), Clóvis Constantino. Já para a medicina alternativa, essa visão não é novidade. “Não existem doenças e sim doentes” foi sempre o lema de Edward Bach, médico inglês que no final do século 19 desenvolveu os controvertidos florais de Bach, uma técnica alternativa bastante difundida.


Ao mesmo tempo, adeptos de práticas alternativas têm incorporado aspectos imprescindíveis da medicina oficial, como a necessidade de apresentar resultados eficientes. Parece um pouco óbvio para nós, ocidentais, mas, para muitas técnicas de fundo “filosófico”, o fato de um tratamento funcionar ou não é menos importante do que ele se conformar à “filosofia” na qual é baseado. “Há alguns anos, houve um boom das técnicas alternativas. Aí surgiram profissionais que erroneamente refutavam qualquer idéia da medicina convencional”, diz Paulo Eiró Gonsalves, que organizou o livro Medicinas Alternativas – Os Tratamentos Não Convencionais, um dos primeiros no Brasil a reunir textos sobre vários dos métodos alternativos de cura. Prometia-se qualquer coisa e muita gente achava desnecessário testar esses métodos com as ferramentas da ciência – afinal a ciência era, para muitos, o “inimigo” a ser combatido. Hoje, cada vez mais, os entusiastas têm se empenhado em enxergar os métodos que empregam com os olhos da ciência.

Um bom exemplo desse fenômeno – um que não é lá muito favorável às terapias alternativas – é Steven Bratman. Esse cientista americano, formado em acupuntura, shiatsu, medicina chinesa, fitoterapia e osteopatia craniana, abandonou a direção de uma clínica na Califórnia que misturava as abordagens convencional e alternativa e dedicou-se a estudar a fundo as pesquisas sobre a eficácia das alternativas. Em 1996, Bratman publicou um livro razoavelmente favorável às abordagens alternativas, o Guia Prático da Medicina Alternativa. “Na época, eu acreditava na medicina alternativa e, portanto, assumia uma atitude positiva.


Além disso, eu ignorava que muitos dos estudos em que me baseava não eram rigorosos o suficiente para serem levados a sério”, diz hoje. Depois de estudar mais e encontrar falhas em quase todas as pesquisas com resultados favoráveis, Bratman chegou a uma conclusão desanimadora. Segundo ele, todos os estudos somados não são suficientes para dar razão aos que dizem que essas terapias são um bom jeito de tratar doenças.


Bratman percebeu que a imensa maioria dos estudos científicos sobre o assunto é pouco rigorosa. Isso não é à toa. “Bons estudos são caros”, diz Edzard Ernst, que dirige o Departamento de Medicina Complementar da Escola Médica Península. E dinheiro é um problemão para homeopatas, cromoterapeutas e afins. Medicamentos da medicina ortodoxa geralmente são testados sob patrocínio de grandes laboratórios farmacêuticos, interessados em comercializá-los. Já as técnicas, práticas e remédios menos rentáveis não encontram apoiadores tão facilmente.


Não há muitas grandes empresas interessadas em divulgar a acupuntura ou a iridologia. O departamento de Ernst, mantido pelas universidades inglesas de Exeter e Plymouth, é uma das cada vez mais freqüentes exceções à regra da falta de pesquisas. “Começamos a trabalhar há dez anos. Meu objetivo sempre foi e é um só: aplicar as regras da ciência às técnicas alternativas e complementares”, diz Ernst. Eles já publicaram mais de 700 artigos sobre o tema na literatura médica.


É um belo avanço, mas ainda é pouco. Enquanto não há pesquisas suficientes, a medicina alternativa se baseia, muitas vezes, nos resultados obtidos no consultório, no tratamento de pacientes. O médico americano Jack Raso, autor de Alternative Healthcare – A Comprehensive Guide (“Tratamento Alternativo – Um Guia Geral”, sem versão brasileira), classificou esse conhecimento como “empirismo não-científico”, ressaltando que esse tipo de controle está muito propenso a falhas de vários tipos. Por exemplo: os pacientes desses consultórios tendem a simpatizar com seus terapeutas e a fazer uma análise pouco objetiva. Às vezes a doença passa sozinha e o sujeito, já inclinado a uma avaliação positiva, fica com a impressão de que o tratamento é que deu certo.


Apesar da falta de provas da eficácia, há muita gente disposta a usar os métodos alternativos – inclusive onde menos se espera. Em setembro de 2003, Ernst ajudou o diário britânico The Daily Telegraph a organizar uma enquete em que uma centena de cientistas foi interrogada sobre o uso pessoal de algum método alternativo de tratamento ou cura. Era de se esperar que cientistas, gente com fama de cética, não se interessassem pelo assunto. Não foi bem o que aconteceu. Dos 75 que responderam à pesquisa, 30 disseram já ter usado algum tipo de tratamento alternativo e 20 disseram que os métodos deveriam estar disponíveis a todos por intermédio do National Health System, o sistema de saúde oficial britânico.


É importante lembrar que o fato de não existirem pesquisas que garantam a eficiência de um método não comprova que esse método seja ineficiente. “Falta de evidência não é o mesmo que evidência de falta de resultado”, diz Ernst. Ou seja, na maior parte do tempo, a resposta mais honesta à crucial pergunta sobre se as técnicas alternativas funcionam ou não é um redondo “não sei”.


Duas medicinas?


Mas, antes de seguir na discussão, é bom avisar que o nome que imprudentemente imprimimos na capa – “medicina alternativa” –, para algumas pessoas, nem existe. “Não há medicina alternativa ou medicina complementar”, diz Clóvis Constantino. “A medicina é uma só. Ela engloba diferentes métodos, terapias, tratamentos e remédios que se provaram eficientes pelas pesquisas.” Veja o exemplo da acupuntura. A ciência não acredita que sua filosofia esteja correta – ninguém conseguiu verificar a existência de canais de energia correndo pelo corpo. Mesmo assim, testes bem conduzidos provaram para além das dúvidas que as agulhas são eficazes para tratar vários males – por mais que não se entenda como.


Por conta disso, a medicina incorporou a parte da acupuntura cujos resultados foram comprovados. Hoje, as faculdades de medicina ensinam a espetar, os hospitais contratam acupunturistas, os conselhos médicos reconhecem e regulamentam a técnica e alguns planos de saúde pagam o tratamento. A medicina não é um sistema filosófico fechado e imutável, como são as religiões e muitas das terapias alternativas. Ela é uma área do saber que agrupa as mais eficientes técnicas conhecidas para tratar doenças – e portanto pode incorporar coisas que nasceram fora dela.


Parece sensato, mas muitos praticantes de terapias alternativas temem que a absorção de seus métodos pela medicina ortodoxa possa desfigurar aspectos terapêuticos que são parte de um sistema coerente. “Se você vai usar apenas a parte de uma tradição de cura que tem explicação científica, ignorando a base filosófica, vai usar a terapia de maneira incompleta”, diz Paulo Eiró Gonsalves. O que Paulo quer dizer é que tomar agulhadas num hospital, aplicadas por um médico formado numa faculdade, não é a mesma coisa do que ser atendido por um velho mestre chinês versado na energia da vida e na visão totalizante do corpo. No primeiro caso, as agulhadas são apenas um remédio a mais, como a aspirina. Pode até funcionar – já que eficiência sem dúvida é uma característica da medicina ortodoxa, ocidental – mas não rompe com o tal modelo de Descartes, que algumas terapias alternativas criticam.


E, afinal de contas, o que é medicina alternativa, se é que essa coisa existe? As técnicas e métodos agregados sob esse nome são tão distintas que torna-se impossível criar uma definição coerente para o termo. Nem todas são naturais, nem todas são holísticas, nem todas são orientais, nem todas são não-oficiais. Com isso, técnicas tão distantes em histórico e abordagem quanto a fitoterapia mágica e a medicina oriental, por exemplo, são colocadas no mesmo barco.


A fitoterapia mágica, criada em 1983 pelo americano Scott Cunninghan, é uma releitura duvidosa da fitoterapia clássica e tem pouquíssimos adeptos no mundo – entre as práticas que propõe, há uma que prevê que enterrar um feijão pode servir para tirar pintas ou verrugas. Já a medicina oriental reúne elementos de sistemas tradicionais de cura originados há milhares de anos na Grécia, no Egito e na China. Suas práticas são conhecidas e testadas no mundo todo e já são aceitas por parte da comunidade científica ocidental.


Essa falta de limites claros é vantagem apenas para as técnicas pouco confiáveis que se valem de lugares-comuns espalhados como verdades. Para os pacientes, a falta de limite faz com que a busca por uma opção de cura não convencional seja difícil e perigosa. Usar o procedimento de Cunninghan para se livrar de pintas, por exemplo, pode tornar-se apenas uma perda de tempo. Mas pode também acabar retardando a descoberta de um câncer maligno. É por isso que é importante conhecer as especificidades de cada terapia – a tabela da página 58 traz uma breve descrição das técnicas mais populares e dos seus resultados.


Como regra geral, vale dizer que nenhuma das terapias alternativas deve ser usada em todas as circunstâncias. Se houver qualquer razão para suspeitar de uma doença mais séria, como um câncer ou uma infecção que não passa, um médico convencional certamente vai estar mais equipado para fazer o diagnóstico. As terapias alternativas podem ser boas maneiras de se manter saudável – já que muitas delas pregam o “equilíbrio” nos vários aspectos da vida, um jeito bem razoável de se prevenir de doenças. Elas também são uma saída para problemas causados por males “subjetivos” – as várias doenças ligadas à tensão, por exemplo, podem se beneficiar muito de métodos holísticos, que incluam conversas com o terapeuta, música tranqüila e massagens. Doenças misteriosas como as alergias, ainda mal compreendidas pela medicina do Ocidente, igualmente parecem se beneficiar de tratamentos como a acupuntura e a homeopatia.

E dores musculares ou torções, para as quais a medicina convencional receita quase sempre atenuantes de sintomas, parecem se beneficiar muito mais nas mãos de um quiropraxista ou acupunturista. É claro também que não há mal nenhum em procurar um terapeuta alternativo para cuidar de uma doença para a qual a medicina não tem cura ou para aliviar efeitos colaterais de remédios ortodoxos. Mas os médicos convencionais são bem melhores para combater doenças mais “objetivas”, aquelas causadas por fungos, vírus, bactérias e outros inimigos palpáveis que só podem ser vistos com microscópio.


De um modo geral, as abordagens alternativas não existem para curar doenças, mas para preveni-las e para complementar um tratamento convencional. Há exceções – a acupuntura, sem dúvida, é eficaz na cura de alguns males, não de todos – mas o ideal é não adotar uma postura radical, do tipo “eu jamais vou a um médico convencional”.


Mas, afinal, se na maioria das vezes não sabemos se a medicina alternativa funciona, por que então utilizá-la? Por que não ficar com a velha e boa medicina ortodoxa, cujos remédios e técnicas têm eficiência comprovada por milhões de pesquisas? Os autores do livro The Desktop Guide for Complementary and Alternative Medicine (“Guia para Medicina Complementar e Alternativa”, sem tradução brasileira), esboçam algumas respostas para essas perguntas. Eles dividiram os motivos que levam alguém a buscar profissionais da medicina alternativa em dois grupos: os fatores de distanciamento, aqueles que afastam pacientes da medicina ortodoxa, e os fatores de aproximação, os motivos que aproximam pacientes e medicina alternativa.


Parte dos pacientes que buscam a medicina alternativa compartilha a aversão por substâncias químicas ou drogas e privilegiam substâncias naturais em diversos campos de sua vida. “Para essas pessoas, na hora de se vestir, o algodão satisfaz um instinto que o poliéster agride”, diz Bratman. Outro fator de aproximação listado foi a “dimensão espiritual”. A crença na existência de um Deus é bastante comum entre os adeptos da medicina alternativa. “A maior parte de nossos pacientes está ligada a uma força maior, uma alma do Universo”, diz o presidente da

Associação Brasileira de Medicina Complementar (AMC), José Felippe Junior. É bom lembrar que a crença num deus tem sido considerada por pesquisas sérias um fator que favorece a recuperação de doenças graves.


Mas a insatisfação com a medicina ortodoxa também pode estar ligada a fatores que em nada têm a ver com a filosofia de vida do paciente. Pacientes costumam ter uma queixa comum quando o assunto é medicina convencional: acreditam que o médico não lhes dá a devida atenção. A maioria das denúncias encaminhadas aos órgãos que regulamentam o exercício da medicina não se deve a erros médicos e sim à relação médico-paciente. Eles reclamam que o médico não tem tempo suficiente para atendê-los ou que não entendem as explicações sobre os procedimentos usados. “Hoje estamos empenhados em aprimorar essa relação”, diz Clóvis Constantino, presidente do CRM-SP, refletindo uma preocupação crescente de todo o meio médico ocidental.


Efeito placebo


Tradicionalmente, o jeito que a medicina ortodoxa arrumou para aprovar ou reprovar um tratamento é um teste muito engenhoso chamado “contraplacebo”. Funciona assim: um médico arruma uma porção de voluntários. Essas cobaias são então divididas em dois grupos. Um dos grupos é tratado com o remédio ou o tratamento que se quer testar. O outro recebe apenas placebo. Placebo, como já foi dito, é um remédio “falso”, sem princípio ativo. Por exemplo, uma cápsula que contenha farinha. Os testes mais confiáveis, além de serem “contraplacebo”, são “duplo-cego”. Ou seja, não é só o paciente que não sabe qual remédio é o de verdade e qual é o placebo. Os médicos que dão o remédio também não sabem. Tudo para diminuir qualquer influência externa. Só o remédio tem que agir.


Tudo muito bem bolado, muito inteligente. Mas a ciência não contava com uma coisa: e se o placebo não for totalmente inócuo? E se a pílula de farinha curar também? Pois é. Parece que é isso que acontece. “Não temos a menor dúvida de que placebo funciona, em média, em 30% dos casos”, escreve Herbert Benson em seu livro Medicina Espiritual. Benson é presidente do Mind/Body Institute, um centro de pesquisa americano focado nas relações entre o corpo e a mente – justamente aquilo que Descartes não previa. Talvez a porcentagem não seja exatamente essa, mas ninguém duvida que o placebo funciona, pelo menos às vezes.


Um exemplo surpreendente foi uma pesquisa realizada pelo cirurgião ortopedista americano Bruce Moseley. O médico testou a eficiência de uma cirurgia para curar artrite no joelho, que consiste em raspar áreas danificadas da cartilagem. No estudo, cinco pacientes foram operados propriamente e cinco receberam aplicações de agulhas em lugares aleatórios. Quatro dos pacientes que passaram pelo tratamento placebo tiveram redução de dor e inchaço e melhoria nos movimentos do joelho.


O placebo pode funcionar a ponto de causar até incômodos. “Sonolência, dor de cabeça, náusea, nervosismo, insônia e prisão de ventre estão entre os efeitos colaterais mais comuns do tratamento com placebo”, diz Benson. Há até um termo para denominar os efeitos colaterais de placebos: nocebo. Benson acredita que a razão para ele é o fato de os participantes de pesquisas serem obrigados a ler um documento de aprovação em que esses possíveis efeitos colaterais estão listados.


O efeito placebo põe em cheque a pretensão de objetividade proposta pela ciência ocidental. Se o próprio placebo cura, então toda a teoria por trás dos testes duplo-cego/contraplacebo muda de perspectiva. Veja por exemplo o caso da homeopatia. Embora várias teorias tenham surgido nos últimos tempos, ninguém ainda entende qual é o processo de cura dessa terapia. A homeopatia é baseada em dois princípios. O primeiro é a “lei dos semelhantes” e diz que uma substância que causa determinado sintoma num paciente saudável pode curar esses mesmos sintomas se ingerida em doses muito pequenas. Assim, como a ferroada de abelha causa dor e inchaço, os homeopatas recomendam um preparado feito a partir do veneno da abelha contra vários tipos de dor e inchaço. O segundo princípio diz que quanto mais diluída a substância, mais potente o remédio. Essa é a chamada “lei das infinitesimais”.


Depois de séculos de pesquisas, esses princípios fazem cada vez menos sentido à luz do que a ciência sabe. A maioria dos cientistas acha que eles são grandes bobagens. Ainda assim, muita gente se cura com homeopatia, por menos que ela faça sentido. Por que será?

Talvez seja apenas um caso clássico de placebo bem-sucedido. Talvez muito do sucesso de várias terapias alternativas se deva ao fato de que a relação com o terapeuta crie condições favoráveis para que o placebo funcione – ao motivar o paciente, dar a ele esperança e inspirar simpatia e confiança. O placebo tem uma característica interessante: só obtém resultados quem acredita no tratamento. Será milagre, então? Não necessariamente. É plausível que essa postura positiva tenha ação sobre o sistema imunológico e favoreça a cura. Um cético como o cientista Romke Bron, que disse ao jornal inglês The Daily Telegraph que “se alguém entrasse em uma farmácia homeopática durante a noite e trocasse as etiquetas dos frascos ninguém notaria”, tem bem menos chances de se curar com esse tipo de remédio.


Ou seja, é importante sim conhecer os princípios de cada tipo de tratamento e saber evitar os charlatões. Mas talvez seja igualmente importante conseguir acreditar no seu terapeuta. Nesse sentido, mil pesquisas provando isso ou aquilo não substituem uma coisa: a confiança que você tem no seu médico, seja ele ortodoxo ou alternativo.


Sentir-se bem


Sair por aí dizendo que a medicina convencional está completamente equivocada e não serve para nada é perda de tempo – e demonstração de ignorância. O escritor de ciência americano Stephen Jay Gould, morto em 2002, tinha uma sugestão para aqueles que acham que a medicina é inútil: que eles visitem algum cemitério antigo e reparem na quantidade de lápides pequenas, uma ao lado da outra. É inegável que a mortalidade infantil despencou com o avanço da ciência e que ela é muito menor nas regiões onde há melhores cuidados médicos. Ninguém em sã consciência pode negar os avanços trazidos pelos antibióticos, ou pelas vacinas, por mais imperfeitos que tanto uns quanto as outras sejam. É óbvio que a medicina derrotou doenças e espalhou saúde – basta saber ler estatísticas para perceber isso.


Mas também é inegável que nem todo mundo se dá por satisfeito com o que a medicina oferece. Desde que o mundo é mundo, as pessoas vão aos “médicos” (curandeiros, pajés, xamãs…) para falar de suas ansiedades, suas dores e obter algum conforto – nem sempre a cura. Essas coisas ajudam o sujeito a sentir-se bem. “E ninguém discorda do fato de que se sentir bem é bom para a saúde”, diz Bron, aquele mesmo que acha que não há problema algum em trocar os rótulos dos remédios homeopáticos. Talvez tenha sido esse justamente o ponto em que a medicina ortodoxa errou mais longe. Ou alguém aí acha os hospitais agradáveis? A ciência tem pela frente uma dupla tarefa das mais duras. Por um lado, há que se entender os reais méritos das terapias alternativas, para que elas deixem de fazer falsas promessas. Por outro, ela precisa corrigir seu rumo e retomar o ideal de Hipócrates. E, nesse ponto, talvez algumas técnicas alternativas possam servir de inspiração.



Cada uma é uma


Colocar no mesmo barco todas as técnicas ditas “alternativas” é um grande erro. Algumas delas são amplamente reconhecidas, sobre outras há quase certeza da ineficácia. Conheça as mais famosas e saiba o que a ciência pensa delas.


Acupuntura


O que é – Uma das técnicas da medicina tradicional chinesa, a acupuntura consiste na aplicação de agulhas em pontos específicos do corpo. Sua base filosófica indica que esses pontos afetam os diferentes órgãos e estão localizados sobre canais de energia (chamados meridianos) que se espalham pelo corpo.


O que a ciência acha – Sabe-se que os pontos têm relação com o sistema nervoso – e o sistema nervoso influencia todo o corpo. Mas cientista nenhum encontrou os tais canais de energia. A técnica não costuma oferecer resultados a curto prazo, mas revelou-se eficiente contra efeitos colaterais de remédios, enjôos, doenças respiratórias, dores e problemas de pressão.


Aromaterapia


O que é – Utiliza óleos essenciais de folhas, flores ou madeira para amenizar sintomas e melhorar o bem-estar. Os óleos podem ser inalados, queimados ou espalhados pelo corpo.


O que a ciência acha – A idéia de que cheiros agradáveis podem liberar hormônios que causam bem-estar até faz sentido para a ciência e alguns estudos mostram um leve efeito calmante da terapia. Daí a acreditar que eles curem doenças, porém, há uma distância.


Cromoterapia


O que é – Baseia-se na idéia de que cores têm efeito curativo abrangente. Os tratamentos envolvem alimentação, modo de se vestir, relação com o ambiente, além da visualização de cores para efeito terapêutico.


O que a ciência acha – Não há qualquer evidência de eficácia. De forma alguma deve substituir o tratamento convencional. Mas a cromoterapia pode trazer bem-estar – e bem-estar é bom para a saúde.


Florais


O que é – São essências florais diluídas em conhaque. Os mais conhecidos, os florais de Bach, foram preparados pelo médico inglês Edward Bach, ao final do século 19, e são indicados de acordo com a personalidade de cada paciente, prometendo curar diversas doenças.


O que a ciência acha – No máximo, pelo que se sabe, funcionam tão bem quanto o placebo. Não podem substituir o uso de medicamentos ortodoxos. Podem representar uma fonte de bem-estar, mas é perigoso acreditar que eles façam o que prometem fazer: curar doenças.


Fitoterapia


O que é – Consiste na manipulação de plantas e ervas para a cura de doenças e redução dos sintomas. Prega que as plantas devem ser consumidas integralmente e não combinadas a substâncias químicas que realçam o efeito do princípio ativo, como na medicina ortodoxa


O que a ciência acha – A idéia de que plantas curem faz todo sentido. Praticamente todos os remédios da medicina ortodoxa têm seus princípios ativos retirados de plantas ou de outros seres vivos. E é realmente saudável procurar por substâncias benéficas, em pequenas doses, na alimentação – o que ajuda a evitar efeitos colaterais causados por doses grandes demais.


Homeopatia


O que é – Inventada no século 18, é uma especialidade médica no Brasil, mas ainda não foi reconhecida como tal em países com tradição em medicina alternativa, como Canadá e Estados Unidos.


O que a ciência acha – Muito utilizada contra doenças crônicas como alergias, asma, rinite e enxaqueca, ainda não comprovou eficiência além do placebo nesses tratamentos. A ciência ignora o modo pelo qual age, mas reconhece alguns resultados. Pode ser o caso mais bem-sucedido de manipulação de placebo.


Iridologia

O que é – Os praticantes da técnica afirmam que podem oferecer um diagnóstico físico, psicológico e emocional a partir da análise da íris.


O que a ciência acha – Não tem validade científica. A tese de que males físicos se reflitam nos olhos não é absurda. Mas determinar o estado de saúde de alguém tendo como base apenas isso pode gerar diagnósticos incompletos, o que é perigoso.


Naturopatia


O que é – Motivada pelos ideais de “volta à natureza”, originou-se no século 19 como um fenômeno emocional e espiritual para melhorar a saúde geral do corpo. Prega, entre outras coisas, que alimentos crus são mais bem aproveitados pelo organismo.


O que a ciência acha – Muitas das teorias divulgadas pela naturopatia fazem sentido aos ouvidos da ciência. No entanto, ela tende a misturar teorias plausíveis com outras bem menos fáceis de serem assimiladas pela ciência – como a sugestão de que prisão de ventre cause auto-intoxicação.


Ortomolecular


O que é – Técnica criada por Linus Pauling, Nobel de Química e da Paz, que emprega o uso de vitaminas, aminoácidos e minerais em quantidades superiores àquelas capazes de serem absorvidas pelo corpo. O diagnóstico é feito a partir da análise de um fio de cabelo.


O que a ciência acha – Com base em pesquisas, o teste do fio de cabelo foi considerado sem validade científica por órgãos reguladores.


Reflexologia


O que é – Propõe que todos os órgãos internos do corpo têm pontos de reflexo no pé, na orelha, no nariz e outras partes. Acredita que a manipulação desses pontos pode melhorar o fluxo de energia e, portanto, curar sintomas em certos órgãos.


O que a ciência acha – Há bem poucos estudos rigorosos sobre a técnica e os que existem não demonstram que a reflexologia tenha efeitos terapêuticos específicos.


Reiki


O que é – Rei significa “universal” e Ki, “energia”. Reiki portanto é a energia do Universo que poderia ser transmitida ao paciente por meio da impostação de mãos do praticante. A terapia vê a doença como um desequilíbrio energético do corpo.


O que a ciência acha – Não existe comprovação científica para a ação curativa dessa técnica. Mas a terapia pode trazer benefícios ao reduzir a tensão.


Radiestesia


O que é – Baseia-se nas vibrações do Universo, do ambiente e dos seres vivos. Sua prática mais difundida prevê uma sessão de perguntas e respostas a um pêndulo de metal que poderia levar ao diagnóstico de doenças.


O que a ciência acha – A idéia de que um diagnóstico médico possa ser oferecido por vibrações do corpo ou do ambiente não faz sentido à luz do conhecimento científico. Não há pesquisas consistentes sobre o assunto.


Shiatsu


O que é – Atua nos mesmos pontos que a acupuntura, mas usando apenas a pressão dos dedos


O que a ciência acha – A pressão dos dedos, ao contrário da aplicação de agulhas, não causa a liberação dos neurotransmissores que atuam no sistema nervoso, o que joga dúvidas sobre as possibilidades terapêuticas da técnica. Mas seus efeitos redutores de estresse são reconhecidos.


Urinoterapia


O que é – Propõe a manipulação da urina do próprio indivíduo para curar diversas doenças. Tem origem, possivelmente, em rituais hindus criados há 4 mil anos.


O que a ciência acha – Não há estudos rigorosos sobre a eficiência da técnica, que recebe críticas de diversos setores da comunidade científica. Não deve, de maneira alguma, substituir tratamento convencional.


Observação:


A classificação à direita tem um quê de arbitrário. Não pretendemos aqui dizer que uma terapia é melhor que outra. Cada técnica tem seus próprios objetivos e pretensões e as pessoas reagem de modo diferente a tratamentos diferentes. Algumas podem não ter efeito comprovado, mas, ainda assim, fazer bem – por exemplo, ao reduzir o estresse. E a ciência sabe que reduzir o estresse é bom para a saúde.


Para saber mais


Na livraria


O Erro de Descartes – Emoção, Razão e o Cérebro Humano, Antônio Damásio, Companhia das Letras, 1996

Guia Prático da Medicina Alternativa, Steven Bratman, Campus, 1998

Medicinas Alternativas – Os Tratamentos Não Convencionais, Org. Paulo Eiró Gonsalves, Ibrasa, 1996

Medicina Espiritual, Herbert Benson e Marg Stark, Campus, 2003

The Desktop Guide to Complementary and Alternative Medicine, Ernst E., Pittler M.H., Stevinson C., White A.R., Mosby, Reino Unido, 2001

Alternative Healthcare – A Comprehensive Guide, Jack Raso, Prometheus Books, EUA, 1994


Na internet


Relatório do Comitê de Ciência e Tecnologia do Parlamento Inglês, http://www.parliament.the-stationery-office.co.uk/pa/ld199900/ldselect/ldsctech/123/12301.htm

Site de Steven Bratman, que traz um balanço crítico das pesquisas de eficácia, http://www.altmedconsult.com

Associação Brasileira de Medicina Complementar, http://www.medicinacomplementar.com.br

Departamento de Medicina Complementar da Escola Médica Peninsula, http://www.ex.ac.uk/sshs/compmed/





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