Ex-deputado falou com a FEPAL sobre “Sem ódio e sem medo”, livro que conta sua história política em defesa da democracia e dos direitos do povo palestino (Foto Thiago Kittler/OAB-RS)
“Sem ódio e sem medo”, biografia política de Jorge Uequed, um aliado histórico da Causa Palestina no Brasil, será lançada na próxima terça-feira (12), às 17h30, durante a Feira do Livro de Porto Alegre. Escrito pelo historiador Douglas Souza Angeli a partir de entrevistas e registros históricos, o livro resgata os principais momentos da vida pública do ex-deputado federal, dos tempos de movimentos estudantil aos dias atuais.
Advogado, jornalista, bacharel em Ciência Políticas e Sociais, Uequed foi vereador em Canoas/RS de 1968 a 1974 e deputado federal entre 1974 e 1994. Membro do “grupo autêntico do MDB”, como faz questão de ressaltar, foi um dos líderes da oposição na Câmara ao regime militar. Criador do seguro-desemprego, notabilizou-se também pela defesa de aposentados e pensionistas na Assembleia Nacional Constituinte de 1987.
Uequed aprendeu desde muito cedo a respeitar a luta do povo palestino por independência e liberdade. Cresceu vendo o pai e o avô, um imigrante libanês, ajudando a comunidade árabe a se integrar à sociedade brasileira. “O movimento palestino independe da posição geográfica, política ou social, pois trata do respeito dos seres humanos aos direitos dos seus semelhantes”, diz.
“Sem ódio e sem medo” será lançado pela Age Editora.
Quando deputado, ele liderou uma comitiva de parlamentares e intelectuais em um encontro com o líder palestino Yasser Arafat, no Líbano, e foi também um dos responsáveis pela implantação do escritório de representação da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) no Brasil, o que se tornaria a Embaixada Palestina no país.
Aos 77 anos, afastado da vida partidária, Uequed afirma que nunca deixou de fazer política. “Embora eu não tenha concorrido mais, eu sigo fazendo parte do desejo de mudança”, explica. Ele hoje assina uma coluna no Timoneiro, jornal semanal que ajudou a fundar há 54 anos. Uma de suas filhas, Gisele Uequed, é a atual vice-prefeita de Canoas.
De sua casa em Canoas, o ex-deputado falou com a FEPAL sobre sua trajetória e ligação com o movimento palestino, política externa e, claro, sobre o seu livro – “o primeiro de um político no Brasil que fala sobre a Palestina”, salienta.
Leia:
Quais são os episódios mais marcantes da sua história política?
Eu me elegi em 1968 com o compromisso de apresentar um projeto de lei para devolver a Canoas o direito de eleger um prefeito. O livro conta a minha luta pela volta das eleições diretas, pelo restabelecimento da democracia e a minha atuação na Assembleia Nacional Constituinte, além da minha defesa durante todo esse processo aos direitos do povo palestino.
Um fato marcante foi quando nós, deputados, fomos votar a Emenda Dante de Oliveira (em 1984) e o exército cercou o Congresso. Não deixavam ninguém entrar. Eu era o primeiro deputado na fila, e os soldados, com as baionetas armadas, me diziam que se eu tentasse entrar eu iria preso. Eu respondi que era deputado e que tinha que entrar porque o povo me nomeou, e que se eu não conseguisse entrar naquela casa eu não conseguiria mais entrar no Rio Grande. Eu avancei contra as baionetas e entrei, abrindo espaço para que todos os deputados entrassem para a votação.
O direito do povo palestino é um direito de toda a sociedade, vai para além do povo árabe. É um movimento em defesa dos direitos humanos, de uma sociedade que quer respeito. Ele independe da posição geográfica, política ou social, pois trata do respeito dos seres humanos com os direitos dos seus semelhantes.
Num ambiente tão conturbado como é o do Brasil e o de outros países atualmente, é possível fazer política sem ódio e sem medo?
Claro que é possível. Hoje nós temos um Estado democrático e uma constituição vigorante. Temos um governo de direita, ao qual nós fazemos oposição, mas não tem violência, não tem tortura. Nós temos que construir a vida democrática. Essa é a nossa função atualmente.
Alguns excessos são normais, isso faz parte do processo. O importante é que nós temos hoje três poderes independentes, com uma constituição vigorando. Não temos que ter nenhum medo, pelo contrário. Estamos plantando a democracia.
Como e quando iniciou a sua aproximação com o movimento palestino?
Meu avô era libanês. Ele e o meu pai ajudavam os palestinos que vinham para o Brasil aqui em Canoas. Então eu convivi muito com eles. E a História me indica que um povo tem que ter o direito a sua independência. Todos os povos devem ter o direito de enterrar seus mortos, cultuar suas tradições e educar os seus filhos.
O direito do povo palestino é um direito de toda a sociedade, vai para além do povo árabe. É um movimento em defesa dos direitos humanos, de uma sociedade que quer respeito. Ele independe da posição geográfica, política ou social, pois trata do respeito dos seres humanos com os direitos dos seus semelhantes.
De que forma o senhor contribuiu, como parlamentar, para a promoção da Causa Palestina?
Fui orador do Brasil em quatro conferências internacionais, nas quais eu sempre defendi a democracia e também os direitos do povo palestino. Em 1981, eu levei 40 deputados, lideranças políticas e intelectuais para o Líbano para um encontro com Yasser Arafat. Tive a oportunidade de conversar com ele várias vezes.
Arafat faz muita falta, porque além de tudo o que representa para o movimento palestino, ele construiu uma linha política de paz e fraternidade. Ele era um líder indispensável.
Depois que deixei de ser deputado, ele veio ao Brasil, e entre as suas agendas estava uma homenagem no Hotel Nacional, em Brasília. Eu fui lá prestigiar. Sentei no fim das fileiras porque na frente estavam apenas os deputados. E ele me viu lá no fundo e me chamou (em árabe), “vem pra cá!”, e eu assisti a cerimônia de um lugar de honra.
Participei também da fundação do bloco parlamentar de amizade Brasil-Povo Árabe e sua causa principal, a Palestina. Ajudamos a implantar a Embaixada Palestina no Brasil (à época um escritório de representação da OLP), que agora fez 40 anos, com o grande líder Farid Suwwan.
Na próxima segunda-feira, dia 11, lembramos os 15 anos da morte de Yasser Arafat. Um líder como ele faz falta na atualidade?
Arafat faz muita falta, porque além de tudo o que representa para o movimento palestino, ele construiu uma linha política de paz e fraternidade. Ele era um líder indispensável.
Embora o apoio internacional pró-Palestina venha crescendo, com movimentos como o BDS (Boicote, Desinvestimentos e Sanções), um acordo de paz ainda parece distante. O senhor enxerga espaço para negociações e avanços num futuro próximo?
Esses avanços sociais e acordos de paz têm que ser permanentemente cultivados pela sociedade. Eu faço parte de um grupo que acredita na permanente cultuação dessa paz e creio que ali adiante nós vamos conseguir.
O Brasil pode ter um papel relevante nesse processo?
Acho importantíssima a ação do Brasil, não só pela participação dos palestinos e libaneses no país na nossa sociedade, mas pela própria formação do nosso povo de respeito à cidadania e aos direitos humanos.
Políticas externas são circunstanciais e momentâneas. É preciso acreditar nessa transformação. Eu acredito na transformação, na implantação de um caminho de busca da paz e da fraternidade.
Como o senhor avalia a atual política externa brasileira neste particular?
A política externa brasileira já teve grandes momentos, mas agora está num processo de adaptação. Nós precisamos avançar, e isso vai ser feito agora, nos próximos meses, com o avanço das atividades políticas, com as eleições e a ampliação do debate.
Políticas externas são circunstanciais e momentâneas. É preciso acreditar nessa transformação. Eu acredito na transformação, na implantação de um caminho de busca da paz e da fraternidade.
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