Por Joaquim de Lira Neto - da página "A Miséria Da Democracia"
O presente texto sintetiza algumas ideias presentes na obra “Fidel e a religião”, em que Frei Betto transcreve diálogos que teve com Fidel Castro, tratando da relação entre socialismo e religião, inclusive no caso cubano. O livro apresenta vinte e três horas de conversa, divididas em quatro encontros realizados em Cuba.
Logo no início da obra, Fidel afirma que há “dez mil vezes mais coincidências do cristianismo com o comunismo do que pode haver com o capitalismo” (CASTRO, 1985, p. 09), e complementa: “Não vamos criar divisões entre homens. Vamos respeitar as convicções, as crenças, as explicações. Cada um que tenha sua posição, que tenha sua crença. Contudo, no terreno dos problemas humanos, que interessam a todos e é dever de todos, é precisamente neste terreno que temos de trabalhar” (Idem).
Frei Betto pergunta a Fidel sobre os conflitos entre a Revolução e a Igreja, ao que o segundo respondeu que “o que houve foram conflitos de classe”, pois “a classe rica monopolizava as Igrejas e procurou instrumentalizá-las, induzindo bispos, padres e fieis a posições contrarrevolucionárias” (CASTRO, 1985, p. 162).
Neste contexto, Frei Betto questiona se, após a Revolução, igrejas foram fechadas ou se sacerdotes foram expulsos. A resposta de Fidel foi: “Não, nunca uma só igreja foi fechada no país. Em determinado momento, houve, sim, casos de forte enfrentamento político e, por causa da atitude militantemente política de certos padres, especialmente de origem espanhola, solicitamos que deixassem o país e suspendemos o visto de permanência aqui. Casos assim se deram. Contudo, autorizou-se que viessem outros sacerdotes para substituir os que saíram. Esta foi a única atitude que se precisou tomar. Depois, as relações se normalizaram” (CASTRO, 1985, p. 170).
Mais adiante, Frei Betto pergunta se o amor é uma exigência revolucionária, e Fidel responde, entre outras coisas, que: “nossa sociedade é realmente fraterna. Quando libertamos o homem da opressão, da exploração, da escravidão em determinadas condições sociais, lhe garantimos não apenas liberdade, mas também a honra, a dignidade, a moral, em suma, sua condição de homem. Não posso falar de liberdade numa sociedade de classes, onde existem gritantes desigualdades e na qual sequer está assegurada a condição de verdadeira vida humana.
Pergunte a um favelado em qualquer dos bairros miseráveis da América Latina, a um negro nos Estados Unidos ou a um pobre das sociedades capitalistas atuais. Estas são as minhas mais profundas convicções. Entendo que amor ao próximo é solidariedade” (CASTRO, 1985, p. 255). Quando perguntado sobre a imagem de “ditador cruel”, que defensores do capitalismo tentam imputar a ele, e se há democracia em Cuba, Fidel responde: “não tomo decisões unilaterais ou exclusivamente pessoais e não governo por decreto” (CASTRO, 1985, p. 262). Fidel afirma que, em Cuba, há uma “direção coletiva, onde discutimos, desde que se iniciou o nosso Movimento, todos os problemas fundamentais” (Idem). Não obstante, Fidel não nega que tem “autoridade e prestígio junto ao partido e ao povo, assim como muitos outros companheiros, que são ouvidos em nosso país” (Idem).
Sobre a “crueldade”, Fidel responde: “Cruel realmente é o sistema capitalista, responsável pela existência de tanta miséria, de tanta calamidade. Cruéis são o egoísmo e a exploração capitalista” (CASTRO, 1985, p. 263). Além disso, sobre o ponto decisivo para os verdadeiros defensores da democracia, Fidel é enfático: “Por consagrar nossas vidas aos interesses do povo, sempre contamos com o apoio decidido e a confiança da imensa maioria de nossos compatriotas. Não se pode dizer, desses governos ocidentais tão badalados, que contam com a maioria do povo” (CASTRO, 1985, p. 265).
Finalizando este texto, é importante o posicionamento de Fidel sobre a questão de se é possível ser religioso e marxista. Nas palavras de Fidel: “De um ponto de vista estritamente político - e penso que conheço algo de política -, considero que se pode ser marxista sem deixar de ser cristão e trabalhar unido ao comunista marxista para transformar o mundo. O importante é que, em ambos os casos, sejam sinceros revolucionários dispostos a erradicar a exploração do homem pelo homem e a lutar pela justa distribuição da riqueza social, pela igualdade, pela fraternidade e pela dignidade de todos os seres humanos, isto é, sejam portadores da consciência política, econômica e social mais avançada, ainda que se parta, no caso dos cristãos, de uma concepção religiosa”.
Referências:
BETTO, Frei. Fidel e a religião. São Paulo: Círculo do Livro, 1985.
CASTRO, Fidel. Entrevistas. In: BETTO, Frei. Fidel e a religião. São Paulo: Círculo do Livro, 1985.
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