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Foto do escritorCuritiba Suburbana

Diálogo Sem Fim



­− Boa noite, Luzia.


− Boa noite, Clara.


− O que é que você faz aí, desmilinguida nessa calçada?


­− Eu tava olhando pra lua... Vê! Não ta linda demais?


− Tá, ta mesmo.


− Cê sabe o que eu vi, ainda agorinha?


− O quê?


− Eu vi uma luz bonita que escorria do céu e se dissipava, antes de chegar ao chão.


− Oras, deve ter sido uma estrela cadente, né?


− Não. Acho que era a luz dos meus próprios olhos que não queria voltar pra Terra. Queria mesmo era se perder nessa imensidão cinzenta e visitar as estrelas no infinito.


− Nossa..., você ta romântica hoje, hein?


− Não é romantismo, flor, é uma sede de vida que vem ressecando meu coração, ha tempos.


− Credo, Luzia, não diz isso não! Você ta triste?


− Triste nada, eu estou é feliz. Sabe por quê?


− Por quê?


− Porque eu to acordada Clarinha, acorda, como nunca estive antes. Eu descobri que morrer não é a pior coisa que pode acontecer pra gente. A pior coisa que pode acontecer a um ser humano sabe o que é?


−Não.


− É viver como um defunto, sem se dar conta do tamanho que tem a vida, sem perceber que, perto da morte, ela é bem piquititiquinha assim, e que se a gente não acorda a tempo, nunca vai ter estado vivo de verdade.


− Aff, Luzia, você não ta bem, acho melhor procurar um médico. Você pode estar com depressão.


− To não, Clarinha. Depressão é quando a alma da pessoa se debate dentro dela, tentando avisar, justamente isso: que ela morreu e esqueceu-se de deitar. Que vaga por aí, pelo mundo, como um zumbi. Que é só um corpo vazio, uma mente superficial e uma alma, já fora do corpo, andando em torno dela e tentando, a todo custo, despertá-la.


− Luzia, eu não entendo nada do que você ta falando, mas isso aí, de se sentir meio vazia, eu já senti também.


− Todo mundo, Clara. Todo mundo sente, mas poucos admitem. A maioria das pessoas prefere se convencer de que são fortes e podem superar esses momentos, mas a verdade é que só estão fechando os olhos e dormindo, pra amortecer a dor. Somos todos amortecidos Clarinha, amortecidos, anestesiados pelo medo, ou pela indiferença e se não somos, entramos em depressão ao mínimo sinal de esclarecimento. O ser humano é covarde Clarinha, o ser humano... é covarde!



Ana Campos

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