Por Marcelo Jugend
Domenico Losurdo foi um intelectual marxista italiano que ganhou seus 15 minutos de fama no Brasil, semanas atrás, em virtude de declaração de Caetano Veloso, na qual afirmava ter passado a admirá-lo a partir de leituras que fizera por indicação do youtuber Jones Manoel.
O grande impacto que sofri com Losurdo é um ovo de Colombo acerca da democracia. Está em plena vista de todos, mas só ele percebeu.
Através de uma enorme e eficaz lavagem cerebral – reflete o pensador –, para a qual utilizou-se dos fartos meios midiáticos e mercadológicos que tem a seu serviço, a elite burguesa mundial construiu uma narrativa, falsa mas vitoriosa, através da qual convenceu a sociedade como um todo de que a única forma de obter um regime democrático é sob o sistema econômico capitalista liberal burguês vigente nos países ocidentais mais poderosos.
É mentira. Os donos do mundo se valem daquela já batida máxima de Goebbels, segundo a qual uma mentira repetida à exaustão se torna verdade aos olhos incautos.
Devo a Mauro Nadvorny, combativo judeu antifascista brasileiro, um outro ovo de Colombo. O filme “Mank”, em cartaz na Netflix, mostra como, na campanha de 1934 para governador da Califórnia, o poderosíssimo dono da Metro-Goldwin-Mayer, Louis B. Mayer (também judeu, aliás), abertamente Republicano e conservador, mandou produzir e divulgar filmetes difamando sordidamente o candidato progressista Upton Sinclair, do Partido Democrata. Que claro, também em virtude disso, foi derrotado.
Vi o filme e não atinei com a coisa. Mas Mauro, no facebook, diz o óbvio: a direita utiliza as fake news inescrupulosamente desde sempre, em seu próprio proveito.
Aquela revelada por Losurdo é apenas mais uma delas. Possui, porém, relevância histórica muito mais significativa, porquanto seu alcance é mundial, sua influência é decisiva para o destino de toda a humanidade, e sua extrema longevidade é inexpugnável.
Nem por isso tudo, entretanto, deixa de ser mentira.
O noticiário desta semana, como sempre inserido no contexto da farsa, tem ressaltado um conflito entre intelectuais e promotores culturais cubanos e o governo socialista da ilha, por mais liberdade de expressão. Alegando o de sempre – influência estadunidense bastarda – as autoridades cortaram o diálogo.
O brado vem imediato e unânime: ditadura!
Será?
Qual a diferença significativa, em termos de efetividade democrática, entre essa atitude dos mandachuvas cubanos e aquela da burguesia capitalista, tão bem representada pelo crime cometido pelo magnata do cinema?
Na minha concepção o ser humano, no estágio evolutivo que atingiu até hoje (o futuro, claro, é incógnito – quem sabe onde chegaremos?), não possui nenhuma condição de construir nada que se pareça, ainda que levemente, com uma democracia real. Nem à esquerda, e muito menos à direita (o centro, desculpem, não existe).
Não há dúvida de que todas as experiências socialistas já tentadas – inclusive a cubana, que me parece a mais bem-sucedida de todas até aqui – tiveram que abrir mão de uma dose considerável de liberdade individual do cidadão, a fim de levar adiante seu projeto coletivo.
Contudo, é também inegável que o capitalismo jamais forjou um regime democrático. Crer no contrário é embarcar em uma das mais vergonhosas balelas da História humana.
O capitalismo, aliás, é incompatível com qualquer espécie de justiça e, portanto, com democracia. Esta não tem nenhuma possibilidade de existir sem aquela.
Não há, como de resto nunca houve, ao menos por enquanto, uma única democracia digna deste nome, no mundo.
Os regimes liberais burgueses não passam de sistemas de domínio de classe, no qual as mais privilegiadas exercem um comando férreo e perverso sobre todas as demais. Nada, absolutamente nada, acontece nos países capitalistas, sem que os titulares do capital permitam.
Convenhamos que são mais espertos, já que disfarçam seu poder absoluto por trás de sutilezas geralmente imperceptíveis para os mais desavisados.
Coisa que tampouco desvirtua o caráter antidemocrático do regime. Nada é o que parece. Democracia não é a mulher de César. Ela pode perfeitamente “parecer” real, mesmo sem sê-lo.
O humorista estadunidense George Carlin (link nos comentários – são breves 3 minutos; se você entende inglês, ouça; se não entende, peça que alguém traduza; vale à pena) definiu tudo isso com perfeição: “Politicians are there to give you the idea that you have freedom of choice. You don’t. You have no choice. You have owners. They own you. They own everything.” (Os políticos existem para te dar a ideia de que você tem liberdade de escolha. Você não tem. Você não tem escolha. Você tem donos. Eles são teus donos. Eles são donos de tudo. – tradução livre minha).
Ora, se pelo menos até agora (veja, a respeito, o segundo comentário abaixo) a democracia plena é inalcançável tanto sob o socialismo quanto sob o capitalismo, então fico, sem hesitar, com o primeiro, que ao menos possui em sua essência importantes componentes de generosidade e senso coletivo. Nele, se o regime se mantiver fiel aos seus princípios fundantes, poderá proporcionar às pessoas uma justiça social e uma qualidade média de vida com as quais o melhor capitalismo possível jamais poderá sequer sonhar.
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