Por Joaquim de Lira Neto - da página "A Miséria Da Democracia"
As manifestações em resposta ao assassinato brutal de João Alberto Silveira Freitas, cometido por dois seguranças de uma unidade do Carrefour de Porto Alegre, reacendeu a polêmica sobre a questão da violência como forma de protesto.
Este texto tem como objetivo divulgar as ideias defendidas pelo ativista estadunidense Peter Gelderloos, em seu livro “Como a não violência protege o Estado”.
A referida obra busca demonstrar como os diversos discursos que enaltecem manifestações populares, desde que “não violentas”, são baseados em histórias falsas ou, ao menos, distorcidas. Tais distorções não são apenas narrativas equivocadas, mas, justamente, são reforçadas ideologicamente por atenderem aos interesses de uma determinada classe dominante (que, inclusive, chegou ao poder de forma violenta), e de preservação e manutenção do Estado.
Um exemplo histórico importante, analisado pelo autor, é o da independência da Índia do domínio colonial britânico, cuja versão ideológica propagandeia uma linda vitória liderada por Mahatma Gandhi, que teria obtido sucesso única e exclusivamente por meio de táticas pacifistas. Entretanto, a análise de Gelderloos (s/d, p. 06), nos apresenta elementos ignorados pelo discurso hegemônico: “Na Índia, a história conta que o povo sob a liderança de Gandhi construiu um movimento massivo não violento durante décadas e envolveu-se em protestos, desobediência civil, boicotes econômicos, exemplares greves de fome e atos de não cooperação para quebrar com o imperialismo britânico.
Eles sofreram massacres e responderam com um par de protestos, mas, em sua maioria, o movimento foi não violento e, depois de perseverar durante décadas, o povo indiano ganhou sua independência, fornecendo um marco inegável da vitória pacifista. A história real é um pouco mais complicada, nela pressões violentas também influenciaram a decisão de retirada britânica. Os britânicos perderam a capacidade de manter o poder colonial após perderem milhões de tropas e uma porção de outros recursos durante as duas extremamente violentas guerras mundiais, nas quais a segunda, em especial, devastou a ‘terra mãe’. As lutas armadas dos militantes árabes e judeus na Palestina de 1945 até 1948 enfraqueceram ainda mais o império britânico e fizeram com que se constituísse uma ameaça clara, a de que os indianos pudessem, em massa, desistir da desobediência civil e partir para as armas se ignorados por muito tempo; esse fato não pode ser desconsiderado como um fator importante na decisão dos britânicos em abandonar a administração colonial direta”.
Segundo o autor, “a resistência ao colonialismo britânico teve tamanha militância que o método Gandhiano pode ser visto mais precisamente como uma forma dentre várias de resistência popular” (GELDERLOOS, s/d, p. 06). O escritor e ativista ressalta que, no caso indiano, são ignoradas “importantes lideranças da militância, como Chandrasekhar Azad, que combateu na luta armada contra os colonialistas britânicos, e revolucionários como Bhagat Singh, que ganhou um apoio massivo pelas bombas e assassinatos como parte da luta para alcançar a ‘derrocada tanto do capitalismo estrangeiro, como do indiano’” (GELDERLOOS, s/d, p. 07). Além disso, “é significativo que a história lembre de Gandhi sobre todos os outros não porque ele representou a voz unânime da Índia, mas por causa de toda a atenção e notoriedade que recebeu da imprensa britânica por ter sido incluído em importantes negociações com o governo colonial britânico” (GELDERLOOS, s/d, p. 07).
Sobre o atual caso brasileiro, as palavras seguintes são importantes: “o pacifismo como ideologia, quando tem umas pretensões que estão além de uma prática pessoal, serve, incorrigivelmente, aos interesses do Estado e está, irremediavelmente, psicologicamente inserido no esquema de controle do patriarcado e da supremacia branca” (GELDERLOOS, s/d, p. 108).
Evidentemente, não se trata de defender toda e qualquer forma de violência. Entretanto, é necessária a compreensão de que o mesmo Estado brasileiro que exerce o controle sobre a violência cotidiana contra negros e pobres, com a conivência, e às vezes, com o apoio explícito de certos setores de nossa sociedade, é o mais interessado em enaltecer as manifestações “não violentas”. Cabe a seguinte reflexão sobre as elites brasileiras: é conveniente condenar a violência quando se está no poder, após conquistá-lo de forma historicamente violenta.
Referências:
GELDERLOOS, Peter. Como a não violência protege o Estado. Disponível em: https://www.google.com/url?sa=t&source=web&rct=j&url=https://we.riseup.net/assets/100006/Como%2Ba%2BN%25C3%25A3o%2BViol%25C3%25AAncia%2BProtege%2Bo%2BEstado%2BPeter%2BGelderloos.pdf&ved=2ahUKEwiItYnzqZftAhUaHLkGHZDKB0MQFjADegQIAhAB&usg=AOvVaw1EpN8rDnuQ5ryGoS-X7avx
Comments