Apontamentos sobre o fechamento da Ford e da Mercedes-Benz no Brasil
Por Angélica Lovatto
O fechamento definitivo da Ford no Brasil anunciado ontem não é o único exemplo de fábrica metalúrgica de grande porte a ser desativada em nosso país. A Mercedes-Benz, no finalzinho do ano passado, anunciou o fechamento de sua fábrica em Iracemápolis, São Paulo, o que evidentemente já inicia processo semelhante ao da Ford, que vem anunciando fechamentos parciais de suas fábricas desde fevereiro-março de 2019. Cada perda de emprego numa montadora de grande porte gera demissões de trabalhadores em toda a cadeia produtiva. Daí que o número de desempregados decorrente desse fechamento é muito maior do que o anunciado. Para citar apenas um exemplo, a Troller da cidade de Horizonte, na grande Fortaleza-CE, será um dos empreendimentos afetados pela decisão da Ford de a produção de veículos no Brasil. Fábricas da Ford que serão fechadas em Camaçari (BA) e Taubaté (SP) também vão gerar demissões nesta reação em cadeia. A ocupação de fábricas tem sido uma tática muito importante na história do movimento operário e sindical, especialmente na América Latina, destacando-se experiências vitoriosas em países como Argentina e Venezuela. No Brasil, no entanto, o Movimento de Fábricas Recuperadas, embora também tenha sido levado a cabo, acabou fazendo parte de experiências mais isoladas, e em fábricas falidas de pequeno e médio porte. Exemplos importantíssimos dessa luta, para citar apenas três casos, são as experiências da Cipla e da Interfibra, em Joinville-SC, bem como a exitosa experiência da Flaskô, em Sumaré-SP. O que os dirigentes sindicais no Brasil estão propondo diante do fechamento dessas fábricas da Ford e da Mercedes? Desconheço qualquer defesa da tática de ocupação de fábrica por parte dos atuais dirigentes das maiores Centrais Sindicais brasileiras, especialmente aquelas que hegemonizam o movimento operário nas últimas décadas. Ao contrário, o que precisa ser relembrado, num momento grave como esse de perda de emprego de milhares de trabalhadores, foi a atitude do ex-Ministro da Previdência do governo Lula, Luiz Marinho (ex-Presidente da CUT), que executou nos idos de 2007 ordem de intervenção numa fábrica ocupada por trabalhadores que tentavam garantir seus empregos e gerir a massa falida causada por empresários oportunistas, em Joinville, por dívida de pequeno porte no INSS. Mas o mesmo Ministro não cobrou os milhões de dívida de grande porte do INSS em cima de empresas como Varig, Itaú, dentre outras. Governo de defesa dos trabalhadores em luta ou governo de conciliação de classe e proteção da massa falida para a burguesia? Por que justamente a fábrica ocupada por trabalhadores organizados foi alvo da repressão e cobrança do Ministro Marinho? O registro histórico precisa ajudar o movimento operário a não se iludir, nunca mais, com esse tipo de “dirigente”. A tática de ocupação de fábricas tem como pilar fundamental a centralidade do trabalho e o controle operário, pensados como momento organizativo dos trabalhadores dentro de uma estratégia (mais ampla e de longo prazo), de revolução social. Portanto, é um verdadeiro e eficiente momento de articulação da luta de classes. E nosso sindicalismo atual parece estar longe de priorizar essa defesa. Evidentemente, que uma ocupação do espaço de produção da fábrica não significa a conquista imediata da propriedade privada dos meios de produção da burguesia, mas significa, de modo muito eficiente, a posse e controle momentâneo desses meios no espaço fabril. E aqui um esclarecimento muito importante precisa ser destacado: esse controle operário dos meios de produção não guarda relação alguma com a experiência das cooperativas e a autogestão simples (tão a gosto de uma certa esquerda liberal que propõe cooperativas como panaceia), e que funcionam com as mesmas regras de financiamento aplicável às demais empresas vigentes no sistema capitalista de produção. Nenhuma vantagem produtiva, muito menos política e organizativa para a classe operária. A ocupação da fábrica, ao contrário, pauta-se pela “autogestão articulada centralizada e democrática dos trabalhadores”, e é gerida por meio de Comissões. A Comissão de Fábrica que passa a atuar numa ocupação tem que se defender da entrada da polícia, gerir a massa falida, cuidar da continuidade da produção, lutar na justiça quando os leilões são providenciados, organizar a vida na fábrica, de 2af. a 2af., e transformando (inclusive nos finais de semana), o espaço das fábricas, como momento de convivência das famílias, pois a qualquer abandono da ocupação, a polícia entra e fecha tudo. Só para citar um exemplo rápido, a mencionada experiência da Flaskô conseguiu diminuir a jornada de trabalho de 40h para 35h, com aumento de produção e, ao mesmo tempo, não deixou de pagar o salário dos trabalhadores, e ainda gerou mais empregos. Imaginemos, então, a força e a potência do planejamento e articulação dessa tática de ocupação numa empresa metalúrgica (portanto, de um setor estratégico) do porte e importância da produção da Ford ou da Mercedes! A grande pergunta a ser feita aqui, em plena crise do fechamento dessas empresas hoje no Brasil, e que deixará milhares de pessoas desempregadas, é: “O controle operário de uma fábrica ocupada pode impulsionar o controle operário sobre a sociedade (ainda sob o capitalismo)?”. A resposta tática é sim. A resposta estratégica é sim. Por isso que a adoção desta tática no espaço produtivo pode vir a impulsionar o projeto revolucionário de médio e longo prazo, ligando sua atuação concreta a um caminho para a revolução brasileira. O que a autogestão articulada dos trabalhadores representa, em sua amplitude prático-teórica e política, é precisamente (ainda sob o capitalismo) um sistema de salvaguardas intrínsecas para impedir que estas contradições da lógica da reprodução da superexploração da força de trabalho no Brasil solapem qualquer planejamento racional, ao detonarem uma versão renovada da luta de classes, ou seja, toma como pressuposto que haverá conflitos inevitáveis de interesses entre produtores e consumidores, unidades produtivas mais ou menos avançadas, subjetividades de uma classe socialmente ativas, conselhos populares nos locais de moradia e estudo, e regiões mais ou menos desenvolvidas nessa direção. Mas, daí, isso já é assunto para nossa próxima publicação, que continuará a realizar apontamentos sobre a tática das fábricas ocupadas e a construção teórico-prática e política da “autogestão articulada, centralizada e democrática dos trabalhadores”, como estímulo à luta na discussão da crise de encerramento das atividades da Ford e da Mercedes-Benz no Brasil. A chance é aqui, agora!
Quem produz a riqueza deve decidir sobre como ela tem que ser produzida!
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